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Contos

Conversa de Amigos

Um casal de amigos está a conversar. Recordam o tempo de estudante, as suas caminhadas pela vida profissional, a velocidade das mudanças no campo da ciência e no campo profissional em que trabalham, os seus relacionamentos amorosos e as dificuldades enfrentadas para conciliarem as necessidades profissionais com as suas vidas amorosas. São velhos amigos, estudaram no mesmo colégio, foram contemporâneos de universidade, fizeram cursos diferentes, mas sempre se encontram para trocar idéias sobre os mais diversos assuntos. É uma daquelas amizades em que a confiança é a base do relacionamento e não existe o desejo de uma relação física, apenas o prazer de conversar, sem necessidade de escolher as palavras para não magoar o outro. Como sempre acontece em seus encontros, eles estão trocando idéias de maneira solta sobre os mais variados assuntos, como somente as pessoas afins sabem fazer.

— No tempo de estudante fomos alertados para a velocidade das mudanças nos dias atuais e as implicações que elas teriam em nossas vidas, mas nós não fazíamos idéia de como seriam rápidas as mudanças na nossa vida profissional, coloca Alfredo.

— É verdade, em alguns setores da economia as mudanças são tão rápidas que no prazo de três a quatro anos muda quase tudo, complementa Marilda.

— Na empresa em que eu trabalho as mudanças ocorrem com muita rapidez, eu tenho que me atualizar sempre através de revistas técnicas e de livros. Duas ou três vezes durante o ano tenho de viajar para freqüentar cursos de aperfeiçoamento, sou um eterno estudante.

— Isto tem um lado positivo, o meu amigo não correrá o perigo de enferrujar o cérebro por falta de uso. Eu fico a imaginar o que estão fazendo agora aqueles nossos colegas do tempo de universidade que nunca leram um livro, estudavam apenas para as provas, utilizando suas anotações de sala de aula.

— Hoje eles trabalham em atividades de nível médio, recebem salários baixos e vivem a se lamentar e a reclamar da vida, como se não fossem culpados pela situação em que vivem. Eu sei que o mercado de trabalho muitas vezes é cruel, mas os que estão preparados acabam se ajustando às novas exigências, coloca Alfredo.

— Você lembra como os que não queriam nada com o estudo ridicularizavam os que estudavam, colocavam apelidos jocosos e faziam piadas, hoje eles pagam caro o não terem aproveitado o tempo para estudar. E o pior é que a maioria deles continua sem estudar.

— Lembro sim, recebi muitos apelidos nada agradáveis que na época me deixavam muito chateado, mas não reduzi o ritmo de estudar por causa deles.

— A mulher tem uma consciência maior sobre a necessidade de estudar e estar preparada para enfrentar o mercado de trabalho, eu não sofri este tipo de pressão. Nós sabíamos da necessidade de estarmos preparadas para enfrentar o mercado de trabalho dominado pelos homens. Em qualquer disputa, havendo igualdade de condições, a preferência é dada para o candidato do sexo masculino.

— E na vida sentimental como você está?

— Sem nenhum compromisso, tenho viajado muito nos últimos meses e isto trouxe desconforto para o meu último namorado. Quando eu estava aqui dedicava todo o tempo disponível para o nosso relacionamento, mas ele não se sentiu bem com a situação e o resultado foi o rompimento do namoro.

— Eu também estou sozinho, minha namorada vivia a reclamar do tempo que dedico ao trabalho.

— Você necessita de ajuda especializada para compreender as razões que o levam a trabalhar tanto e não ter uma vida sentimental como as outras pessoas. Em minha opinião você está se escondendo de algo que não deseja ver.

— Não acho que você tenha razão, mas vou consultar também um psicólogo no próximo check-up.

— Eu acho que você exagera um pouco no trabalho, experimente passar para outras pessoas algumas das tarefas que hoje executa. Observe atentamente as dificuldades enfrentadas para realizar a entrega destas atividades para outras pessoas e você aprenderá muito sobre a sua personalidade.

— Você está me chamando de centralizador?

— Não, você é que deu a si mesmo este título. E por sinal muito adequado e merecido, diga-se de passagem.

— Vamos mudar de assunto. Você tem vontade de se casar e ser mãe? O fato de ter filhos atrapalharia a sua carreira profissional?

— Gostaria de ter uma pessoa ao meu lado para amar e dividir o cotidiano da vida. Quero ter um filho, no máximo dois, não tenho preferência quanto ao fato de ser do sexo feminino ou masculino, aceitarei com muito amor o que a vida me der e farei tudo para que seja uma criança feliz.

— Você sempre foi uma romântica. Eu não estou pensando sequer em me casar, acho muito complicado um relacionamento, veja quantos amigos nossos são separados. Alguns já se separaram mais de uma vez!

— Você não deve casar agora, pois as suas chances atuais de fazer uma mulher feliz são muito reduzidas. Acho você muito egoísta, não teria um casamento duradouro meu querido amigo, coloca Marilda.

— De tanto ouvir você dizer que eu sou egoísta vou acabar acreditando nisso. Às vezes eu pergunto a mim mesmo: por que você é tão cruel comigo?

— Não confunda as coisas, eu não estou sendo cruel, estou apenas tentando lhe ajudar. Você não abre espaço para as outras pessoas falarem este tipo de coisa, por esta razão somente as escuta da minha boca, mas cada palavra dita por mim veio do coração, está carregada de carinho e imbuída da intenção única de ajudá-lo.

— Você tinha concordado em mudar de assunto.

— Vou deixar você escolher o assunto, assim eu não corro o risco de ser chamada de chata ou de ser acusada de estar pegando no seu pé.

— Quando você vê um homem pela primeira vez o que mais chama a sua atenção? Em outras palavras: o que atrai você em um homem que você não conhece, apenas está vendo pela primeira vez e ainda não conversou com ele.

— Não existe um padrão. Em alguns casos ele é um homem bonito, mas não me atrai, gosto apenas de ver, admirar a sua beleza. Noutros casos ele pode ser até feio, mas existe uma forte atração física que considero insuficiente para sustentar um relacionamento por muito tempo. Deixe-me dar um passo além da sua pergunta. Quando se trata de namoro, além da comunhão de corpos gosto de uma convivência prazerosa nas atividades do dia a dia. Esta seria a situação ideal, a ser tratada e melhorada pelos dois, pois o relacionamento entre um homem e uma mulher é semelhante a uma plantação delicada, exige muitos cuidados para dar frutos e flores para alimentar e embelezar a vida dos dois. E você, meu amigo, o que olha primeiro em uma mulher?

— A bunda e em seguida as pernas.

— A maioria dos homens é vidrada em bunda. Carlos Drumond de Andrade escreveu uma poesia muito interessante, cujo título é: A Bunda. Existem tantas coisas a serem apreciadas no corpo feminino, mas vocês só conseguem olhar para a bunda.

— É uma preferência nacional, não se pode negar.

— Deixando de lado o aspecto físico, quando você namora, o que o atrai na alma feminina?

— Não sei dizer, não consigo identificar algo neste momento, coloca Alfredo.

— O que você não gosta quando namora uma mulher, volta a perguntar Marilda.

— Eu detesto as mulheres que ficam pegando no meu pé, querendo saber o que eu fiz, com quem estive e por aí vai. Este tipo de comportamento me causa irritação e me faz romper o relacionamento.

— Quando você namora o que o atrai na alma feminina?

— Você já me fez esta pergunta anteriormente e continuo sem saber responder. O que você está querendo me dizer?

— Meu querido amigo, você já respondeu esta minha pergunta. Quando você disse o que não gosta, está dizendo de maneira indireta o que gosta. Mas você não consegue ver isso. Quando você diz que detesta a namorada que tenta controlar seus movimentos, o que demonstra desconfiança por parte dela, isto significa dizer: a base do relacionamento é a confiança. Embora não consiga explicitar isto, a confiança é uma coisa muito importante para você. Este é um assunto para você discutir com um psicólogo, o meu amigo só enxerga o lado negativo do relacionamento, nega-se a ver o lado positivo.

— Você tirou o dia para pegar no meu pé. Faz sentido o que você coloca, eu vou pensar no assunto, mas agora tenho de me despedir, vou a uma reunião que não posso faltar, na casa de um colega de trabalho. Voltamos a nos encontrar na próxima semana.

— Na próxima semana estarei viajando, quando eu voltar ligo para você, coloca Marilda. Tchau.

— Tchau.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, setembro de 2006.

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