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Contos

Conversa de Calçadão

É fim de tarde, eu estou sentado em um banco do calçadão da praia, aguardo a lua nascer, coisa de aposentado vagabundo, não há necessidade de alguém me dizer isto, tenho plena consciência desta realidade adorável. Uma turma de garotos, na faixa dos quinze anos de idade, está reunida no mesmo banco, discutem os problemas do nosso querido Brasil com o entusiasmo próprio dos jovens de qualquer idade, pois a juventude é um estado de espírito. Conheço jovens que são idosos nas idéias e na maneira de viver. Conheço pessoas da terceira idade que são crianças travessas na arte de fluir na vida com alegria e amor.

Os jovens estão até um pouco exaltados, defendem a pena de morte para alguns crimes que eles consideram imperdoáveis, como os que são praticados pelos políticos ao assaltarem os cofres públicos. Eu fiquei a imaginar o que aconteceria com o nosso glorioso Congresso Nacional, Assembléias Legislativas Estaduais e Câmeras Municipais, caso fosse possível adotar tal tipo de medida por algum processo mágico. No Executivo e no Judiciário também não seria diferente, existe um grande número de desonestos por lá, o que significaria uma faxina geral no Brasil, restariam poucos dirigentes. Depois de um determinado período de tempo as manchetes dos meios de comunicação seriam diferentes das atuais, repletas de crimes contra o patrimônio público. Um exemplo de como seria? Vamos lá: O Congresso propõe mais uma queda nas taxas de impostos cobrados à população. A taxa de desemprego atinge índices inferiores a dois por cento da população economicamente ativa. Erradicadas a pobreza e a fome no Brasil. Salário mínimo reajustado para R$ 2.500,00. As filas para atendimento do INSS acabaram. A taxa básica de juros atinge níveis inferiores a três por cento ao ano. Os índices de criminalidade caem mais uma vez.

Um deles diz achar muito interessante os argumentos apresentados para justificar a pena de morte para os políticos desonestos, mas não concorda com a adoção deste tipo de pena, mesmo nos casos de homicídio. Os outros argumentavam que um criminoso comum quando comete homicídio atinge uma pessoa, raros são os casos em que mais de uma pessoa é morta no mesmo ato. O roubo dos cofres públicos é bem mais devastador que um assassinato. Argumentam que milhares de crianças ficam sem alimentação e sem assistência médica desde o período de gestação, os seus cérebros são afetados por toda a sua existência, em decorrência da ação de pessoas desonestas que roubam o dinheiro público. Eu não tinha pensado neste aspecto levantado pelos jovens, nem os mais requintados autores de livros de ficção científica imaginaram um método tão sutil e maquiavélico para criar uma população desprovida da capacidade de pensar e agir.

Os jovens continuam a discutir e eu escutei mais uma das suas idéias: pena de morte para os que roubam a população nos serviços de saúde, tanto para os que trabalham nos serviços prestados por órgãos público quanto para os prestadores de serviços privados. Continuo com um forte sentimento contra a pena de morte, mas faz sentido o que eles colocam. Fico a pensar nas filas enfrentadas por pessoas doentes, algumas morrem aguardando o atendimento médico a que todo ser humano tem direito. As condições dos hospitais destinados à classe pobre se assemelham aos usados em campos de batalha, um amontoado de pessoas sendo atendidas pelos corredores, enquanto outras simplesmente não são atendidas, algumas morrem por não terem sido atendidas. Nem os animais da classe rica são tratados com tanta falta de respeito, muito pelo contrário, os cachorrinhos das madames recebem nas clínicas veterinárias um tratamento de dar inveja a qualquer operário. Acho até que a classe operária, caso fosse possível escolher, ia preferir ser cachorro de madame. Não, não vamos falar dos salões de beleza que os pobres cachorrinhos freqüentam, pois em minha opinião isto seria uma cachorrada com os pobres animais que não têm nada a ver com isso, eles não decidem sobre nada.

A pena de morte também é pedida para os comerciantes desonestos, com um agravante para aqueles que atuam na área de alimentação e na fabricação de remédios. Não consegui entender qual seria o agravante, pois eles estavam executando todo mundo. Teriam eles descoberto algum meio de atormentarem os espíritos depois de matarem os corpos? Confesso que fiquei morrendo de vontade de perguntar como se daria este agravante, mas fiquei com medo de interromper o fluxo fértil de idéias do grupo.

Os funcionários públicos foram xingados de um modo geral, acusados de aparecerem nos locais de trabalho apenas nos dias de pagamento. Foram xingados e contemplados pelos jovens com adjetivos que eu desconhecia, apesar de ser bem mais velho do que eles. Eu me lembrei de pessoas que são funcionários públicos exemplares, dedicam suas vidas ao serviço público, mas não tive coragem de me intrometer na conversa, além de achar que a intromissão seria indevida. Desnecessário dizer que os funcionários públicos também foram sumariamente executados pelo grupo.

Depois deste banho de sangue o grupo se dispersa e cada um segue seu caminho. Eu continuei sentado no banco do calçadão da prais, contemplando a lua cheia a nascer e, inebriado pela beleza da noite enluarada, fiquei a sonhar com o Brasil sem os problemas levantados por aqueles jovens. Espero que a maturidade mude neles apenas a sanha assassina, conserve sem mácula o desejo de reconstruir o Brasil sem os erros e os vícios das gerações que os antecederam.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, setembro de 2006.

 

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