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Crônicas

As Lembranças e o Tempo

Existe uma época na nossa vida em que as lembranças de fatos longínquos povoam os nossos pensamentos sem a menor cerimônia, nos levam a reviver cenas jogadas no arquivo morto há muito tempo. Pelas emoções despertadas por tais lembranças de pessoas que julgávamos afetivamente mortas, fica claro não estarem tão mortas quanto imaginávamos. Algumas vezes são notícias de amigos do tempo da infância ou da juventude, outras vezes entramos em contato com pessoas que há décadas não tínhamos nenhuma notícia, de repente ali estão elas, sentadas na nossa sala, a trazerem o passado de volta ao presente, com as recordações e as emoções a nos assaltarem.

Nestes reencontros com o passado acontece uma coisa interessante comigo e acredito que com muita gente. A imagem que guardo daquela pessoa é a do nosso último encontro. Quando tal encontro ocorreu há mais de quarenta anos, o retrato gravado na minha memória é o de uma pessoa jovem. Ao me deparar com uma pessoa da minha idade eu tomo um susto, não sei a razão, não existe nada capaz de justificar tal comportamento, coisas de uma cabeça desprovida de pensamento lógico ou de senso de realidade, talvez de ambos.

Há algum tempo atrás eu revi, sem manter contato, a minha primeira namorada, após décadas sem ter sequer notícias dela. Ela estava muito gorda e com aparência de uma pessoa relaxada, tão diferente daquela jovem esbelta e bem cuidada do passado, a passear no calçadão da praia de Tambaú. Fiquei a imaginar como ela veria a minha careca, outras marcas da passagem do tempo e as seqüelas deixadas pelo AVC. O aguilhão do tempo é inexorável, nos tange para a velhice, não abre exceções para ninguém, embora trate algumas pessoas com mais rigor e seja mais brando com outras, mas atinge a todas as pessoas sem abrir exceções, qualquer que seja a justificativa apresentada.

Nos encontros de pessoas da minha idade eu noto que a maioria nada pergunta sobre amigos que não vê há muito tempo, com medo de receber uma notícia de doença ou de falecimento. O nascer e o morrer são processos naturais da Vida. Qual o motivo para nós termos medo tão grande de um processo da natureza? Não sei quando a minha hora chegará, mas quando o relógio assinalar o momento de apagar a chama da minha vida, peço à Morte a mesma coisa que meus pais pediram e obtiveram: um serviço rápido e limpo, não gostaria de passar longo tempo em cima de uma cama, sem comer os meus pratos preferidos e beber uma taça de vinho, fazendo um brinde à Vida.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, dezembro de 2006.
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