Procurando alguma coisa?

Contos

Yuppie

Lauro está na casa dos trinta anos de idade, fala com fluência quatro idiomas, conhece países situados em quatro continentes. Após a graduação fez o doutorado no exterior. Apesar de jovem, exerce o cargo de diretor de uma grande empresa multinacional. Gosta de ostentar o seu poder aquisitivo através das roupas e dos seus automóveis. Comete muitas extravagâncias com o objetivo de mostrar que pode gastar sem preocupação. Convive, no trabalho e nos lugares que freqüenta, com um grande número de pessoas, embora não possa chamar nenhuma delas de amigo ou de amiga.

A sua irmã Maria é professora universitária, também fez o doutorado no exterior, fala sete idiomas. Ao contrário do irmão, recusou convites para trabalhar em empresas privadas, com remuneração bem superior ao seu salário de professora universitária. Leva uma vida comedida, veste-se com simplicidade, mas com elegância. Tem um vasto círculo de amizade, as pessoas que convivem com ela gostam de estar ao seu lado, é uma criatura doce como mel. Gosta de ler, ir ao teatro e ao cinema. O dois irmãos, por razões óbvias, pouco se encontram, não têm prazer em estar juntos e conversar. Os seus encontros acontecem nas festas de final de ano na casa dos seus pais, nos aniversários dos parentes mais íntimos, ocasião em que os dois trocam apenas cumprimentos e conversam rapidamente. Os pais deles estão comemorando Bodas de Esmeralda, quarenta anos de uma união firme como rocha, um exemplo de amor para todos os que convivem com eles. Maria conversa com Anita, uma amiga cuja maneira de pensar e agir é muito semelhante à sua. Lauro se aproxima das duas e fala para a irmã:

– Vocês estão muito afastadas do grupo. Por acaso interrompo alguma coisa? Estão querendo ficar sozinhas?

– Não, responde Maria, estamos conversando sobre nosso tempo de infância e adolescência.

– Não me lembro de ter visto você antes, eu sou Lauro…

– Esta é a nossa amiga Anita, interrompe Maria, você a conhece desde criança.

– Prazer em revê-lo, coloca Anita.

– Não acredito! Você mudou muito, eu passaria inúmeras vezes por você e não a reconheceria.

– Ela passou vários anos na Índia, voltou há pouco tempo. Peço licença a vocês para abraçar um amigo, diz Maria enquanto se afasta dos dois.

– Você ficou com um jeito diferente, mais parecida com uma mulher oriental do que com a mulher brasileira. Gostaria de conhecer com mais detalhes a sua experiência na Índia.

– O que você gostaria de conhecer?

– Acho que aqui seríamos interrompidos muitas vezes. Poderemos nos encontrar esta semana, jantaremos e você me contará suas experiências.

– Isto não será possível, responde Anita.

– E na outra semana, insiste Lauro.

– Antes de lhe responder, deixe-me fazer uma pergunta: você gosta de sair e conversar com sua irmã?

– Não, responde Lauro, após alguns momentos de hesitação em que esteve a ponto de mentir e dizer sim.

– Você também não gostará de sair comigo, sou muito parecida com sua irmã. Serão momentos não prazerosos para você e para mim, não existem afinidades entre nós.

– Desculpe a minha insistência, gostaria de sair com você e ter a oportunidade de mostrar como está enganada a meu respeito.

– Você deve gostar de freqüentar restaurantes finos e sua alimentação é bem diferente da minha.

– Você realizou um julgamento e me condenou sem me conhecer.

– Está equivocado, o seu corpo exala o cheiro peculiar das pessoas que se alimentam de carne animal.

– Poderemos apenas sair e conversar?

– Os meus interesses estão centrados nas coisas espirituais. Você gosta de falar de assuntos espiritualistas? Eu me recordo que você e seus amigos faziam zombarias com Maria e comigo quando manifestávamos algum pensamento espiritualista.

– Você só conversa sobre assuntos espiritualistas?

– Claro que não, converso sobre outros assuntos, mas a minha fala terá como pano de fundo a minha visão espiritualista, assim como a sua fala terá como pano de fundo a sua visão de vida. Não será uma conversa prazerosa para você e para mim, já vivi esta experiência muitas vezes.

– Você fez um julgamento a meu respeito e me condenou sem me dar a oportunidade de mostrar que o seu julgamento está equivocado.

– Você vê em mim uma mulher com um aspecto físico diferente que gostaria de levar para cama. Eu só vou para a cama com um homem que tenha afinidades espirituais comigo. Mesmo quando existe uma atração física capaz de levar a um relacionamento sexual prazeroso, se não houver a afinidade espiritual será uma relação fadada ao fracasso.

Neste momento Maria retorna para junto do irmão e da amiga. Lauro se despede das duas, alega a necessidade de conversar com um amigo. As amigas retomam o assunto que estavam discutindo antes da chegada de Lauro, sem Anita fazer qualquer menção ao que conversara com Lauro.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
João Pessoa, Dezembro de 2009.
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