Estamos em pleno verão, o ar está sufocante sem uma brisa para refrescar a quentura do meio-dia. No corpo Lauro sente o calor do dia e na alma o tormento de um amor não correspondido. Um banho poderia refresca o corpo e alivia o calor do dia, mas o que fazer para aliviar a alma da angústia de estar separado da mulher amada. Lauro está parado na calçada apinhada de gente a passar apressada, tantas mulheres lindas olham para ele e oferecem o seu melhor sorriso, mas ele olha e não vê os seus convites sutis enviados pelos sorrisos. Nalgumas mulheres os convites estão disfarçados na maneira de olhar, noutras em trejeitos graciosos ou num rebolado convidativo. Todavia, Lauro nada vê, está absorto em seus pensamentos, parado na calçada de uma rua do movimentado centro da cidade, a pensar na mulher amada, cuja imagem desfila na sua mente como um filme, tornando a respiração ofegante e fazendo o coração bater mais apressado.
Depois de um longo tempo parado, alheio ao que se passa ao seu derredor, Lauro desperta e dirige-se a um restaurante onde costuma fazer suas refeições em alguns dias da semana, por oferecer uma comida saborosa e ficar perto do seu local de trabalho. Foi neste restaurante que ele conheceu sua última namorada há três anos atrás e manteve um relacionamento com ela durante este período, mas sem nenhuma justificativa ela tinha rompido o namoro há poucos dias atrás. Lauro estava pensando em casar com ela e o rompimento do namoro foi um golpe muito duro para ele, estava ainda sob o impacto da separação, jamais imaginada nos seus piores pesadelos. Nunca tinha pensado em tal possibilidade, apesar de ser um dos eventos prováveis em um relacionamento entre duas pessoas.
Um ano depois vamos encontrar Lauro na festa de aniversário de uma amiga, esquecido das dores provocadas pelo rompimento da sua última relação. Ele está alegre e descontraído, conversa com os amigos, flerta com algumas mulheres sem se fixar em nenhuma. Após algum tempo entra na sala uma morena graciosa, existe nela alguma coisa que atrai Lauro. Sentado em um canto da sala, a comer uns salgadinhos, Lauro pode observá-la sem ser percebido e fica atraído pelo jeito simples e autêntico daquela morena, tão diferente da maneira afetada das outras mulheres ali presentes. Depois de observar a recém chegada durante algum tempo Lauro se aproxima do grupo em que ela apenas observa as pessoas conversarem e se senta em um lugar vazio, de frente para ela. Naquele ambiente ela dá a impressão de não estar à vontade, Lauro tem a impressão de que aquela não é a praia dela. Ela escuta atentamente a conversa de cada um dos participantes de grupo, Lauro tem a impressão de que ela penetra na alma de cada uma das pessoas ali presentes e desvenda os mistérios que aquelas pessoas escondem de si mesmas. Aquela mulher simples, cabelos escorridos, sem maquiagem, apenas um batom e unhas pintadas de cor discreta, atrai Lauro de um modo que ele não sabe explicar. Após algum tempo escutando a conversa do grupo ela vai para o terraço da casa e fica a observar o jardim, quando escuta alguém falar ao seu lado.
― Boa noite. Meu nom é Lauro.
― Boa noite. Ângela.
― Sou amigo de Raquel e freqüento a casa dela há bastante tempo, mas até esta data eu ainda não tinha lhe visto nas reuniões do nosso grupo de amigos. Desculpe a indiscrição, você faz parte do círculo de amizade da Raquel?
― Eu sou amiga de Raquel há vários anos, mas não costumo participar das reuniões sociais tão apreciadas por ela.
― Tem alguma coisa contra as reuniões sociais?
― Não me entenda mal, apenas não gosto, prefiro ler, assistir um filme ou uma peça de teatro, neste tipo de festa eu me sinto como um peixe fora da água.
― Eu venho poucas vezes às reuniões do nosso grupo, mas gosto das reuniões como a de hoje, ocasião em que posso bater um papo com os amigos.
― Eu conheço poucas pessoas e elas já estão em uma conversa que tive receio de atrapalhar.
― O seu namorado não veio?
― Estou sem namorado e não pretendo ter um relacionamento nos próximos meses. Estou me recuperando de uma perda recente e quero ficar sozinha por algum tempo.
― Desculpe por ter tocado em um assunto desagradável para você. Eu tive um problema sentimental recentemente, mas já foi totalmente superado ― coloca Lauro, encantado com a doçura de Ângela.
― Depois de algum tempo todas as dores sentimentais são curadas e se transformam em aprendizados valiosos para o nosso amadurecimento como ser humano, mas esta realidade somente é reconhecida com o passar do tempo ― responde Ângela.
― Quando estamos no meio de uma tempestade esquecemos a beleza propiciada pelo bom tempo e não vemos a beleza que existe também na tempestade.
― O tempo é bom conselheiro e ótimo mestre. Devo confessar que você me surpreende, pois geralmente os homens não são providos de sensibilidade para as sutilezas da vida. Percebo que hoje em dia os homens estão mais sensíveis e mais doces.
― O que você quer dizer com doce?
― Estão deixando de lado o papel de machão, permitem a sensibilidade vir à tona e ser percebida pelas outras pessoas, sem medo de perder a masculinidade por serem menos rudes, por serem mais sensíveis.
― E como você percebe a mulher hoje?
― Estamos abordando assuntos complexos de maneira superficial, podemos estar deixando de lado aspectos importantes desta questão. Nós mulheres temos assumido papéis cada vez mais complexos na sociedade moderna, conquistamos nossa independência financeira e passamos a sustentar sozinhas os nossos lares. Isto tem levado as mulheres, em todos os campos da atividade humana, a desempenharem tarefas anteriormente atribuídas exclusivamente aos homens, sem deixar de lado a administração dos seus lares. Isto significa dizer que o trabalho das mulheres aumentou.
― Não tinha pensado na questão desta maneira, mas reconheço que você tem razão. Os meios de comunicação de massa mostram que nos casamentos de hoje existem homens cuidando da casa, enquanto as mulheres saem para trabalhar, sem nenhum problema para os dois.
― É claro que existem, mas estes representam uma minoria nos dias de hoje. É o começo de uma nova maneira dos casais se relacionarem, acredito que mudanças significativas irão ocorrer nos papéis atribuídos pela sociedade para um casal que vive junto. Os últimos dados demográficos de vários paises já mostram mudanças significativas no papel da mulher nas sociedades ocidentais, nos vários campos da atividade humana.
― Você agora despertou a minha curiosidade a seu respeito. O que mais chateia você em um relacionamento com um homem?
― A falta de respeito e de honestidade no relacionamento, estas duas coisas me magoam muito. O que você valoriza no relacionamento com uma mulher?
― Eu também considero a honestidade importante no relacionamento entre os seres humanos de um modo geral e fundamental no relacionamento amoroso entre um homem e uma mulher.
― Detesto as inúmeras faces da falta de honestidade, desde a mentira social, quando dizemos coisas falsas para não magoar outras pessoas, até a infidelidade entre um casal. Mas a pior infidelidade cometida por um ser humano é aquela contra os seus princípios morais.
― A maioria das pessoas acha normal a chamada mentira social.
― Eu prefiro não freqüentar reuniões sociais a ter que mentir, é por esta razão que não participar da maioria das reuniões sociais. Existem grupos onde a mentira foi abolida, é muito enriquecedor participar de suas reuniões, mas precisamos estar preparados para escutar o que os outros pensam. Eu acho a mentira a pior solução para tudo, embora ela dê a falsa ilusão de que foi a melhor opção em determinadas ocasiões.
Lauro e Ângela ainda conversaram por muito tempo. Duas almas magoadas pelos relacionamentos anteriores, com visões de mundo bem diferentes. Ao se despedirem Lauro manifestou o desejo de conhecer o grupo de pessoas citado por ela. Os dois combinam um novo encontro, ocasião em que Ângela o apresentaria ao seu grupo de amigos. Lauro percebe que irá ter contato com novas visões de mundo, pouco conhecidas por ele e por seus amigos, mas ele está aberto para novas vivências. Sente que Ângela poderá ser a pessoa capaz de conduzi-lo por experiências interessantes com outros seres humanos, aprender outras maneiras de se relacionar com as pessoas.
Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, março de 2007.