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Diz um ditado popular que “todo doido tem suas manias”. Eu sempre me julguei um tanto quanto sem juízo, mas achei que não tinha manias, era um doido sem manias, pois toda regra tem exceção. Uma amiga estava lendo um livro que mostra como o ser humano é cheio de manias. Seguindo um roteiro traçado pelo livro ela começou a me fazer perguntas sobre vários assuntos e descobri uma mania, depois outra e mais outras, o número me assustou. Eu não sabia que tinha tantas manias, foi triste constatar que sou um maníaco. A imagem que eu fazia de mim mesmo era de uma pessoa sem manias e após a conversa com minha amiga descobri as minhas inúmeras manias. Embora minhas manias não prejudiquem ninguém, tal fato não serve de consolo para tamanha descoberta.

Depois de meditar muito e reconhecer o fato de que sou maníaco de carteirinha, resolvi não lutar contra as minhas manias e fui para o calçadão da praia do Cabo Branco olhar a lua nascer, uma das coisas que gosto de fazer. A lua surgiu e eu estava a contemplar o reflexo da sua luz no espelho da água do mar quando “sinto” alguém sentar ao meu lado. Devido às minhas deficiências visuais fui obrigado a virar a cabeça para ver se era alguém que eu conhecia. Quando o vulto entrou no meu restrito campo visual tomei um tremendo susto. Sentada ao meu lado no banco da calçada, nesta noite enluarada, sorridente e faceira, estava a alma penada, aquela que só aparecia nos meus sonhos quando eu queria fazer uma traquinagem. Os pelos dos meus braços ficaram arrepiados, os cabelos da cabeça já caíram há muito tempo e não posso dizer que ficaram em pé, os olhos se arregalaram de espanto, eu perdi a voz e fiquei petrificado devido ao susto de vê-la ao vivo e em cores. A alma penada continuou a olhar para mim e a sorrir como se fosse a coisa mais natural do mundo uma alma aparecer na vida cotidiana de uma pessoa. Após algum tempo consegui me acalmar e iniciei um diálogo com ela.

– Você acha pouco perturbar os meus sonhos e agora pretende assombrar a minha vida quando estou acordado?

– A mim você não parece assombrado, apenas tomou um susto quando me viu, mas já superou o impacto inicial, responde a alma.

– Eu quase morri com o susto que tomei ao vê-la ao meu lado. Você sempre aparece nos momentos mais inconvenientes, quando estou fazendo as coisas que me dão prazer. Por acaso você se chama estraga prazer?

– Do lugar onde eu estava vi você sozinho e vim lhe fazer companhia. Venci distâncias siderais para estar aqui e sou tratada desta maneira. Você é um ingrato!

– Mas eu gosto de ficar sozinho nestas ocasiões, deixar o meu espírito mergulhar na beleza da noite enluarada, nestes momentos eu recebo inspiração para escrever. Nestas ocasiões sinto minha alma se integrar com o universo, não existem palavras capazes de descrever o que o meu espírito sente. Percebo uma mudança no seu comportamento, nos sonhos você não respondia minhas perguntas e não conversava, agora está falando pelos cotovelos. Pode me explicar a mudança de comportamento?

– Quando eu não falo você reclama, quando eu falo você reclama, afinal o que lhe incomoda, pergunta a alma.

– A sua presença me incomoda, o seu lugar não é aqui ao meu lado. Por que não vai para a sua casa?

– O universo foi criado pelo meu Pai que é também o seu Pai. Qualquer lugar do universo é a minha casa, é a sua casa, é a nossa casa.

– A sua tagarelice não me deixa desfrutar da beleza da lua cheia e da noite, era só o que estava me faltando acontecer, ter o sossego perturbado por uma alma tagarela.

– Os momentos lindos da vida de um ser humano devem ser compartilhados com os outros, você está sendo egoísta, quer desfrutar sozinho um momento tão lindo do seu espírito. Eu gosto tanto da sua companhia.

– Sinto lhe dizer que a recíproca não é verdadeira, respondi. Agora eu fiquei curioso com uma coisa a seu respeito.

– Pode perguntar qualquer coisa sem o mínimo temor de me ofender, perdi os melindres humanos há muito tempo.

– Eu já percebi que você é cara de pau e não vai ficar chateada com o que eu digo, portanto vou lhe fazer uma pergunta indiscreta. Quando você vivia aqui na Terra você costumava ter relações sexuais normalmente?

– Não tive tempo para desfrutar da vida conjugal, vivi atarefada trabalhando pelos sertões nordestinos em benefício dos necessitados.

– Eu não perguntei se você foi casada ou não, eu desejo saber se você tinha relações sexuais quando vivia aqui usando um corpo de carne.

– Sou contra a relação sexual fora do casamento. Você é muito indiscreto e não sabe respeitar uma dama. Na época em que vivi na sua cidade os homens sabiam respeitar as damas, não abordavam tais assuntos com elas.

– Eu já penso exatamente o contrário, um homem e uma mulher podem conversar sobre qualquer assunto sem que haja falta de respeito. Caso você tivesse experiência sexual quando viveu aqui eu iria lhe perguntar qual a importância da relação sexual na sua vida. Eu acredito que a relação sexual antes do casamento permite aos dois saberem se vão se sentir bem neste importante aspecto da vida conjugal.

– Confesso não saber o que dizer, vou estudar o assunto sob este ângulo colocada agora por você, diz a alma.

– Como alma você tem relação sexual?

– Meu Deus, você só pensa nisso! O sexo é energia criadora do espírito e se manifesta em diversos níveis já estudados pela ciência dos homens. Todas as várias faces da arte e da ciência são manifestações da energia criadora da alma. A relação sexual é o nível inferior de manifestação desta energia criadora. O ápice desta gradação é a união do espírito com Deus, quando ele experimentará gozos inimagináveis para um ser humano nos dias atuais.

– Gostei muito desta sua colocação, esta é uma das muitas coisas que necessito estudar. Gostaria também de saber se os espíritos trabalham ou ficam sem fazer nada.

– Nós trabalhamos em muitas atividades e fazemos estudos sobre assuntos ainda não conhecidos pelo ser humano.

– E por que você não está trabalhando? Não vai me dizer que você está faltando ao trabalho, este fato ocorre também do outro lado da Vida?

– Não seja grosseiro! A cada trinta dias eu tiro algumas horas de repouso com a finalidade de refazer as forças e visitar a Terra, ver os locais onde vivi durante tantos anos.

– Você só tem descanso uma vez por mês? Leva o pessoal do PT para o Céu para mudar tal regime de escravidão. Pensando melhor sobre o assunto acho que não deve fazer isso, esse pessoal corromperia o Céu, o lugar mais adequado para eles é o Inferno.

– Sinto lhe informar que não existe Inferno onde as almas sofrem pela eternidade, conforme a concepção de algumas pessoas. “A casa do Pai tem muitas moradas”, existem locais onde as almas que erraram durante a sua vida ficam durante algum tempo com a finalidade de tomarem consciência de seus erros e começarem a se corrigir.

– Quer dizer que posso errar à vontade e não me acontece nada, perguntei animado com a possibilidade de poder cometer alguns pecados que até agora foram apenas desejados.

– Valha-me Deus! Você deturpa todas as coisas que eu digo. Deus dá “a cada um de acordo com as suas obras”, portanto, não poderia dar a um ladrão e assassino o mesmo destino de uma pessoa honesta. Isto seria a derrocada da justiça, mas não significa dizer que os condenará pela eternidade, pois ele é Pai. Cristo afirmou: “nenhuma das ovelhas que me foram confiadas se perderá”, isto se aplica a todos os seres que vivem na Terra.

– Independente da religião professada?

– Todas as religiões podem ser resumidas em uma única frase: “Amar a Deus sobre todas as coisas e amar o próximo como a si mesmo”. Vou lhe perguntar uma coisa: você ama seus filhos de maneira diferente por eles professarem religiões diferentes?

– Não, isto seria muito mesquinho.

– Como ousa atribuir a Deus este sentimento tão mesquinho?

As últimas respostas da alma me levaram a pensar nas implicações dos conceitos apresentados. Fiquei alguns instantes meditando sobre o que tinha escutado naquela breve conversa. Virei o rosto para olhar para a alma, mas ela já tinha partido sem se despedir, talvez com o objetivo de deixar-me a meditar sobre o que tinha escutado.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, setembro de 2007.
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