Procurando alguma coisa?

Contos

Fragmentos

É interessante observar como ouvinte um grupo de pessoas desconhecidas conversando, sem termos nenhum envolvimento com elas ou com os assuntos abordados nas suas trocas de idéias. Algumas pessoas têm uma compulsão para falar, desejam que as outras as escutem, embora elas mostrem pouca ou nenhuma disposição para escutar os outros. Tais pessoas falam muito e não dizem nada, é um discurso vazio executado mecanicamente com o objetivo de evitar parar e pensar ou talvez tais pessoas gostem de escutar o som da própria voz. Esta semana, por uma casualidade, escutei a conversa de um grupo de pessoas, eu não conhecia ninguém, nem participei da conversa, apenas escutei. Observei uma pessoa verborrágica durante quase uma hora, ela não deixava as outras pessoas dizerem nada, quando ela parava para respirar e alguém tentava falar alguma coisa ela retomava imediatamente a palavra e seguia no seu discurso vazio. Por que fiquei tanto tempo escutando algo que não me interessava? Estava exercitando a paciência, sempre tão escassa em tais casos, hoje estou aprendendo a ser tolerante com muitas situações, necessito aprender a escutar e a fazer o que não gosto. Há algum tempo atrás eu me retiraria logo daquele ambiente, sem lembrar que já devo ter enchido o saco de muita gente com conversas que não tinham o mínimo interesse para elas.

Noutras pessoas deste mesmo grupo o silêncio era tão denso que incomodava aquela participante que falava muito e não dizia nada aproveitável. Achei aquilo contraditório, pois os falantes necessitam de ouvintes, então passei a prestar atenção a eles, então percebi uma presença ausente. O corpo estava ali, mas os seus pensamentos vagavam por lugares ignotos, podemos chamá-los de ouvintes ausentes, por falta de uma definição melhor. Achei a técnica utilizada ótima, mas necessitava ser aprimorada com duas pequenas correções: eles deveriam olhar para pessoa que fala enquanto o pensamento viaja, a fim de evitar que a sua divagação seja percebida e não deixar o olhar com aquela expressão de peixe morto ou de ausência. Uma destas pessoas disse que escutava com os ouvidos e não com os olhos, mas dava para perceber que ela não estava escutando a conversa chata da amiga.

Depois de algum tempo deixei de observar o grupo e passei a pensar em outras coisas. Existem pessoas fecundas como uma várzea, tudo o que é plantado dá frutos abundantes, transforma-se em alimento para muitos outros seres. Viver na várzea é gratificante e exige pouco esforço, pode levar a uma acomodação e a não desenvolver a inteligência, pois não necessita fazer esforço para obter o que procura. Existem pessoas semelhantes a um deserto, nada do que se planta cresce e dá frutos, são áridas e sem colorido, mas não podemos esquecer que todo deserto tem um oásis. Viver no deserto é uma luta sem tréguas pela sobrevivência, desenvolve a inteligência, mas é pobre em experiências para o crescimento humano. O caminho do meio é o ideal.

Já aprendi muitas coisas sobre o ser humano observando o comportamento das pessoas, isto tem me ajudado a compreender melhor a mim mesmo. Existem pessoas com um poder de síntese fantástico, são capazes de dizer muitas coisas com poucas palavras, a grande maioria destas pessoas tem conteúdo. Algumas chegam a ser tão sintéticas que é necessário alguém para explicar o seu discurso, livros são escritos por outras pessoas para explicar suas palavras. Outras gastam muitas palavras para dizer pouca coisa, às vezes elas são cansativas e fazem os outros perderem a paciência escutando o seu discurso, apesar do assunto ser interessante.

Algumas vezes nós iniciamos a leitura de um artigo ou de um livro para abandoná-la pouco tempo depois por falta de interesse. Depois de anos retomamos aquela leitura e o assunto prende a nossa atenção a ponto de não conseguirmos parar de ler. O mesmo leitor e a mesma leitura, alguns anos separam os dois acontecimentos, muitas coisas mudaram no leitor, ele agora interpreta de maneira diferente a mesma frase. Quantas pessoas nós achávamos chatas e hoje descobrimos serem pessoas agradáveis, desejamos estar na sua companhia, mas algumas vezes não temos mais a oportunidade. O inverso também acontece, quantas pessoas nos classificavam como agradáveis e hoje nos consideram chatos. Eu fico a imaginar como as pessoas me percebiam no passado e como me percebem agora.

Alguns seres humanos fazem as coisas de maneira precipitada ou impensada, depois gastam muito tempo consertando os estragos ocasionados pela sua maneira arrebatada de agir. Por outro lado, vamos encontrar pessoas indecisas, procrastinam as decisões por longo tempo, muitas vezes quando elas se decidem já perderam o trem, nada mais pode ser feito. Algumas pessoas alternam entre tomar decisões precipitadas e não tomar nenhuma decisão, elas não conseguem o equilíbrio tão almejado, atingido por poucos seres humanos.

Existem palavras que têm um significado em um determinado local, quando você muda de localidade o significado daquela palavra muda. Alguns tipos de comportamento são reverenciados em determinada cultura, noutra eles são execrados. A visão de determinados alimentos faz algumas pessoas salivarem de prazer e desperta náusea noutras. O que significará estar acima de tais condicionamentos, tanto no campo da alimentação do corpo quanto no campo da alimentação do espírito?

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, fevereiro de 2007.

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