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Contos

Diálogo com Paris

 ― Agora que me visitou e está em João Pessoa, convenceu-se de que sou a cidade mais verde do mundo, pergunta-me Paris.

― É um título merecido, sem sombra de dúvida, respondo.

― É somente isto que você tem para me dizer?

― O que mais eu poderia falar?

― Coisas que você percebeu, mas não me disse agora. Sou linda, minha beleza deixa os visitantes extasiados. E durante a noite brilho tanto que sou chamada de Cidade Luz.

― Já percebi que a modéstia anda bem longe de você!

― Vou fingir que não escutei isto… Vou lhe lembrar que também sou chamada de Cidade Luz porque no meu ventre viveram e vivem muitos artistas que produziram e produzem trabalhos em todos os campos da arte. Nos meus museus você encontra as mais belas obras produzidas pelos seres humanos.

― Você é realmente linda, rica e culta, mas não me inspirou um verso.

― Ao passear pelas minhas ruas você percebeu a quantidade de artistas que encontram em mim a fonte de inspiração para seus trabalhos, mas você não se entregou a mim, ficou pensando nesta pobretona que recebeu o título de segunda mais verde do mundo, ela não pode ser comparada a mim em qualquer outro aspecto.

― Preciso sentir calor humano para escrever uma poesia, você não tem calor humano, não me inspira o verso. Dormir com você foi algo apenas físico, não houve ligação espiritual. Escrevi apenas uma crônica quando estive em seu ventre. Para mim você se assemelha a uma mulher linda e bilionária, mas esnobe e de trato desagradável, todos admiram sua beleza, entretanto, poucos suportam conviver com este tipo de mulher.

― Não seja insolente! Mais uma vez vou fingir que não escutei estas grosserias. Diga-me o que você sentiu quando voltou para casa?

― Depois que deixei Paris ainda passei alguns dias em Portugal. Ao voltar para casa tomei um choque ao ver quanto minha cidade é pobre e apresenta alguns aspectos desagradáveis, mas isso não diminui o meu amor por ela, também sinto isto quando visito outras regiões do Brasil ou outros países.

― Admiro seu amor por sua cidade natal e não vou tentar cooptá-lo. Gostaria que me respondesse apenas uma pergunta: a minha imagem ficou gravada na sua memória?

― Sim, você é inesquecível.

― Gostaria de receber novamente a sua visita, levar a alma do poeta a percorrer os tesouros que guardo no meu ventre até que a beleza deles transborde para o papel na forma de poesia. Mas você teria de demorar um pouco até que a poesia aflorasse.

― Por que razão este processo não foi necessário em Lisboa? Mal desembarquei do vôo que me levou do Brasil até lá e a poesia já transbordava da minha alma, poesia que recebeu o título de Uma Palavra.

― Mesmo correndo o risco de ser chamada de pretensiosa, devo lhe dizer que você ficou extasiado com a minha beleza e não conseguiu fazer nada. Passado algum tempo conseguiu escrever uma crônica com o meu nome. Venha passar algum tempo comigo e prometo inundar sua alma de poesia.

― É uma proposta tentadora, mas existem muitas dificuldades para concretizar o seu convite.

― Eu vi que você observou atentamente os artistas anônimos que tentavam vender seus trabalhos para garantir sua sobrevivência, ao mesmo tempo em que trabalhavam na arte que escolheram para exprimir seus sentimentos. Você viu a facilidade com que eles trabalhavam e a expressão dos seus rostos. O que você pensou naquela hora?

― A mim pareceu estarem em estado de êxtase, foi emocionante sentir suas almas absortas nas suas artes, sem se incomodarem com as pessoas a passarem ou a observarem seus trabalhos.

― Acho que você começou a compreender o que desejava lhe dizer. Aguardarei você no próximo ano, uma temporada comigo fará você amadurecer muito.

― Não está nos meus planos voltar a visitá-la, gostaria de conhecer outras regiões. Obrigado pelo convite, mas não voltarei a dormir no seu ventre.

― No próximo ano voltarei a lhe visitar e direi quando irá passar uma temporada comigo. Até breve.

― Eu não lhe digo até breve, gostaria de lhe dizer adeus, mas aprendi a fluir de acordo com os caminhos traçados pela Vida.

― Até breve, afirma Paris e se afasta devagar.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
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