Procurando alguma coisa?

Contos

A Mudinha

O telefone toca e eu atendo a chamada, após falar aquele tradicional alô, fico aguardando que a pessoa do outro lado da linha diga alguma coisa. Escuto o sinal característico de linha aberta, isto é, sinal de que existe alguém do outro lado da linha, mas ninguém diz nada. Volto a falar alô mais de uma vez, não obtenho resposta e desligo o telefone. Algum tempo depois o telefone toca novamente, eu atendo e ninguém responde. Faço outra tentativa de contato explicando como funciona o telefone, o que deve ser feito por cada pessoa para se comunicar, mas não obtenho resposta. Após este fato se repetir várias vezes durante algum tempo, deixei de atender telefone e pedi para minha “secretária” receber as ligações, imaginando que seria alguém querendo falar com ela, mas que não dizia nada quando eu atendia. Todavia, a mesma coisa acontece com ela quando ela atende as chamadas telefônicas, o que pulverizou a minha hipótese citada há pouco.

Neste mesmo período o meu celular recebia chamada da “bendita mudinha”. No início ela me ligava duas vezes por dia. Com o passar do tempo passou a ser uma por dia, depois a freqüência era dia sim dia não, uma vez por semana… Quando eu verificava quem estava realizando a ligação, no registro de chamadas estava anotado: (sem número), era a bendita mudinha. Passado algum tempo as ligações passaram a ser feitas a cobrar. Ainda atendi a duas ou três ligações, sem a mudinha falar, depois disso deixei de atender as ligações a cobrar.

Um belo dia fiz uma proposta para a mudinha: ela viria passar a noite comigo no meu apartamento, eu lhe ensinaria a falar e outras coisinha mais, todavia ela continuou muda, apesar da minha insistência e de ter oferecido tais serviços de graça. Além disso, estava incluído no serviço um bom vinho e beliscar alguns queijos. Eu nunca tinha transado com uma pessoa com tal comportamento e achei que seria uma experiência interessante.

Durante muito tempo esta “mudinha” telefonou para meu apartamento e para o meu celular, até que um belo dia ela deixou de ligar para mim, deve ter escolhido outra pessoa para fazer suas “ligações mudas” ou deve ter encontrado o que procurava. Eu orei agradecendo a todos os santos a graça alcançada, isto é, escrever sossegado minhas poesias, sem uma mudinha a realizar ligações telefônicas. Recentemente a “mudinha” voltou a ligar para o telefone fixo e a repetir o mesmo procedimento, então eu cheguei à conclusão de que as mudinhas não conseguem ter um relacionamento duradouro com seus namorados. Pensando sobre o caso eu a imagino como uma pessoa necessitando de algo que eu não sei o que é, tanto pode ser espiritual quanto pode ser físico ou ambos. E fiquei a pensar quantas mudinhas devem existir na nossa cidade, no nosso Estado, neste imenso Brasil. Recorri a um amigo para me atualizar nos dados estatísticos referentes ao número de pessoas que vivem sozinhas como eu. Comecei a ver nestas chamadas uma oportunidade de negócio para fazer as mudinhas falarem ou para elas escutarem o que gostam, cobrando as ligações recebidas, naturalmente. É um serviço telefônico de atendimento aos “mudinhos” de qualquer sexo e idade.

As ligações serão realizadas para um número amplamente divulgado na imprensa. Ao ligar para esse número o mudinho ou a mudinha é atendido por uma maquina (já que os “mudinhos” têm dificuldades de falar com pessoas) que lhe informa: para escutar um homem disque 1; para escutar uma mulher disque 2. Após a sua escolha você volta a escutar a máquina: para falar com pessoa jovem disque 1; para falar com pessoas adultas disque 2; para falar com pessoas da melhor idade disque 3. Após sua escolha a voz eletrônica lhe informa: para falar sobre religião disque 1; para falar sobre filosofia disque 2; para falar sobre relacionamento disque 3; para falar sobre filhos dique 4; para falar sobre traição disque 5; para reclamar da vida disque 6; para falar de sogra dique 7 (tenho um sobrinho que é um cliente certo para este número); para falar sacanagem disque 8; para reclamar do seu chefe disque 9; para falar sobre generalidades disque 0. As pessoas que trabalham nesses serviços são treinadas para não lhe perguntarem nada, elas falarão muito e não pedirão para você falar.

Para aqueles ou aquelas que não se contentam com ligações telefônicas e querem uma companhia para diversos fins, existirá outro serviço para atendimento a domicílio ou em nosso confortável hotel cinco estrelas. Para os serviços a domicílio ou em nosso hotel, as reservas deverão ser realizadas por outro telefone. O mudinho ou a mudinha telefonará para nosso atendimento impessoal, isto é, para ser atendido por uma máquina que lhe informa: para serviços a domicílio disque 1; para serviços em nosso hotel disque 2; para serviços em eventos sociais disque 3. Qualquer que tenha sido a sua escolha a máquina lhe dará as seguintes opções: ser humano lindo apenas para desfilar em reunião social, na sua residência ou em nosso hotel, disque 1; ser humano para servir de acompanhante em eventos esportivos, disque 2; ser humano para transar em sua residência ou em nosso hotel, disque 3; seres humanos para fins especiais não previstos anteriormente, disque 4 para falar com nossa atendente, que examinará a possibilidade de atendê-lo.

Com este serviço espero atender os mudinhos de todo o Brasil, sem distinção de cor, raça, sexo, aparência física ou idade. Caso eu não fique rico com tal tipo de negócio, espero pelo menos deixar de receber ligações de mudinhas.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, 9 de dezembro de 2006.

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