Manhã ensolarada, Antônio está sentado em um banco do calçadão da Praia de Aldeota, olha as pessoas que passam, sua atenção é atraída para uma mulher linda, roupas coloridas, cabelos soltos a balançarem ao sabor do vento, olhos brilhantes como estrelas em noite escura, pele bronzeada pelo Sol, sorriso puro como o de uma criança, seu corpo é um poema encantador. Para não ser muito indiscreto, Antônio vira a cabeça para o outro lado da rua, disfarçadamente, com o objetivo de ficar observando seu rebolado quando ela passar. Para sua surpresa, avista outra mulher que tem o rosto e o corpo iguais ao da mulher observada por ele a poucos instantes, que vem em sentido contrário. Surpreso, ele se vira para o outro lado e constata que são rostos e corpos idênticos, uma parece ser cópia da outra, no que se refere ao aspecto físico. Mas noutros aspectos observados pelos seus olhos, uma parece ser o inverso da outra. A segunda veste roupas de cor cinza, cabelos presos, olhar sem vida, pele sem cor e sem brilho, rosto frio e sem expressão, andar de múmia. Tão semelhantes fisicamente, mas tão diferentes na maneira de ser.
As duas se aproximam do ponto onde Antônio está sentado, uma olha para a outra e dão a impressão de que se conhecem, embora não tenham se cumprimentado. Ao passarem por Antônio elas dirigem a ele um olhar que é um convite para um contato. O convite mudo dos olhos delas leva Antônio a sentir vontade de conversar com elas, mas está indeciso. Qual das duas abordar? Elas diminuem o passo, seguem bem devagar para lhe dar tempo de alcançá-las. Antônio resolver seguir a sorridente, apressa o passo com o objetivo de alcançá-la. Ele olha para trás e vê que a outra tinha mudado de direção e o segue de perto. Apesar de achar isto muito estranho, ele concentra a sua atenção em alcançar a outra, o que consegue em pouco tempo. Ao ficar ao seu lado ela olha para ele e sorri, segura o seu braço e o pára, de uma maneira encantadora ela diz:
– Bom dia. Deseja falar comigo?
– Sim, desculpe interromper a sua caminhada, meu nome é Antônio, ao ver você passar desejei saber a causa de tantos sorrisos no seu rosto, não consegui conter a curiosidade que me assalta e invade todo o meu ser.
– Eu me chamo Alegria e não necessito de uma causa específica para sorrir. Olho ao meu derredor e vejo tantas coisas lindas que não me canso de sorrir e de agradecer a Deus tanta beleza.
– Você está sempre sorrindo?
– Sempre! Em tudo na Vida vejo motivo para sorrir.
– Você vê motivo para sorrir no momento em que uma pessoa chora a morte de um ente querido?
– Sim, nesta hora eu vejo a oportunidade da alma que parte conhecer novas dimensões da Vida, a morte não é o fim, mas o início de uma nova experiência. Para quem fica é a oportunidade de praticar a aceitação dos desígnios divinos.
– Você acha correto sorrir em uma hora tão grave, quando as pessoas choram a perda de um ente querido?
– Eu respeito a dor das pessoas, não rio na frente delas, o contentamento acontece dentro de mim. Muitos povos da Terra já entendem o que é a morte, não lamentam os que partem para novas experiências em outras dimensões da Vida.
– Quem é aquela mulher que parece muito com você e me segue de perto desde o momento que procurei lhe alcançar?
– Ela é minha irmã gêmea e o seu nome é Tristeza. Quando uma pessoa se afasta de mim ela toma conta dela. Uma pessoa pode ficar comigo, ficar com ela ou sentir as duas ao mesmo tempo.
– Por que vocês andam tão perto uma da outra?
– Nós ocupamos os corações das pessoas. Dentro de um coração não existe espaço para as duas ao mesmo tempo, quando uma entra expulsa a outra. Algumas vezes uma começa a entrar quando a outra ainda não se retirou por completo, está resistindo, querendo ficar, nestes casos acontece uma mistura das duas dentro da pessoa. Mas as duas ficarão desconfortáveis, a pessoa ficará confusa com a mistura de sentimentos dentro dela.
– Posso chamar a Tristeza para conversar comigo e com você ao mesmo tempo?
– Será um diálogo difícil, quando ela sentir que me afasto vai querer entrar e tomar conta de você. Vou fazer o possível para ocupar um espaço dentro de você, de tal modo que permita seu diálogo com Tristeza sem que ela o domine. Você terá de fazer um grande esforço para não me expulsar, não posso ficar junto de uma pessoa quando ela sente prazer em estar na companhia de Tristeza. Alegria se afasta um pouco, sem sair totalmente. Quando Tristeza percebe o movimento de Alegria, logo força a entrada no coração de Antônio. Aquelas sensações de bem-estar diminuem, são substituídas por sensações de mal-estar. Antônio se arrepende e quer impedir a entrada de Tristeza, agora é tarde, ela já ocupa uma parte do seu coração, mas Alegria não permite que ela ocupe todo o espaço, com o objetivo de dar a Antônio forças para manter a lucidez durante a conversa com Tristeza.
– Bom dia, fala Antônio para Tristeza.
– Desejo para você um péssimo dia, cheio de contratempos capazes de mantê-lo na minha companhia, responde Tristeza.
– Por que você leva para o ser humano sentimento tão desagradável?
– Levo para uma pessoa o sentimento que ela pede. Existe um espaço no seu coração que só cabe uma pessoa e este espaço só pode ser preenchido por mim ou pela minha irmã gêmea, responde Tristeza apontando para Alegria.
– O que Tristeza disse é verdade, coloca Alegria, só podemos ocupar o espaço que nos é dado pelo dono do coração. Nós não escolhemos a sua companhia, você é que escolhe ficar comigo ou com ela. Você é quem diz qual o espaço que vamos ocupar e quanto tempo vamos passar na sua companhia.
– Por que razão as pessoas escolhem a sua companhia, pergunta Antônio à Tristeza, se estar com você não é agradável.
– Acho que nem Freud seria capaz de dar uma resposta convincente a esta pergunta, coloca Tristeza.
– Existem acontecimentos que causam grandes impactos em uma pessoa, insiste Antônio, a sua presença irá piorar a situação delas.
– Adoro estes acontecimentos, informa Tristeza, mas devo colocar para você que não são estes acontecimentos que trazem estas pessoas para os meus braços, mas a maneira como elas encaram tais acontecimentos. Duas pessoas podem passar pela mesma experiência, uma delas termina em meus braços, a outra supera o impacto, não fica alegre, mas não permite que eu ocupe o seu coração.
Antônio se cala diante das colocações de Tristeza, compreende que é ele quem convida uma delas para fazer morada em seu coração. Compreende também que o problema não está nos acontecimentos diários do cotidiano, mas na maneira como ele se comporta diante destes acontecimentos. Entende que pode sentir uma dor sem ficar triste e abatido, suportar com resignação os acontecimentos dolorosos, encontrar dentro de si a força necessária para não se entregar nos braço de Tristeza. Agora ele vê com clareza que é o construtor do seu próprio estado de espírito.
Fortaleza, Dezembro de 2009.