Procurando alguma coisa?

Obras de Amigos

Inquietação – Maria Alice Fernandes

Tenho me sentido muito inquieta ultimamente, mais do que normalmente sou. As manifestações de rua – desde meados do ano passado – e as ondas de violência criminal, pura e animal que nos vem abalando já há algum tempo me fazem pensar sobre o que nós, brasileiros, somos. Como gente, como povo. E nem pensem que em qualquer momento da já muito longa vida dessa senhora que vos fala acreditei no mito do “brasileiro cordial, afável, boa praça, cabeça aberta, bom papo, não afeito à violência”. Lorotas.

Vamos examinar alguns aspectos corriqueiros da nossa vida cotidiana: você, gênero feminino, está andando na rua e vê se aproximarem, vindo em sua direção, dois sujeitos que lhe provocam um sinal de alerta para o perigo, um dos indivíduos é branco e o outro negro; se sua bolsa estiver pendurada no lado que vem o homem negro, você automaticamente passa a alça para o outro ombro, ou a segura e aperta com as duas mãos. É ou não é verdade?

E aquela máxima, muito nossa, de que “os direitos do outro só começam onde o meu acaba” e não o inverso? Dessa máxima derivam as clássicas indagações “Você sabe com quem está falando?” e “Você não se enxerga?”. Todas elas dirigidas a indivíduos que não se parecem conosco em cor e formato, vestimenta ou maneira de falar, ou cujo automóvel é de um modelo de mais de dois anos atrás… Um ser inferior, portanto.

Isso vem de longe, da época das capitanias hereditárias, do poder de vida e morte dos senhores sobre seus escravos, do colonizador sobre os colonizados; em suma, dos brancos contra os “de cor”, pretos, pardos, amarelos, cafuzos. Que se transmutou com o passar dos séculos em oligarquias políticas, nepotismo deslavado, confusão entre propriedade e dinheiro público e privado (tudo a mesma coisa); em “famílias tradicionais” e intocáveis, em pessoas que tratam seus empregados/funcionários como se escravos fossem. Uma sociedade de castas, que até os dias de hoje não consegue atrair jovens para carreiras e profissões consideradas “apenas de nível técnico”. Inferiores aos cursos de nível superior, portanto.

Estamos em ebulição, claro que estamos. Nosso modelo (?) de sociedade tem que ser repensado, e isso depende de cada um de nós, da tomada de consciência de cada indivíduo. Nem sou socióloga ou antropóloga, mas “sociedade” é soma de todos nós, não é? Então, o que vemos por aí é o retrato do que somos e do que nos tornamos.

                   0 Comentários 92 Views