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Carta aos Meus Professores Deficientes – Sérgio Vieira de Melo

Sabe meus queridos mestres, sou muito agradecido a todos vocês. Mas hoje, entendo que meu aprendizado foi dificultado porque ninguém notou que eu não escutava bem e vocês ainda insistiam em falar baixo e de costas pra mim, impedindo que pudesse ouvir ou ler seus lábios. Rafael não enxergava muito bem e durante todos os anos do primário, nos sentamos nas últimas bancas, a letra miúda no quadro-negro, de lá, parecia menor ainda. Por falar em banca escolar, lembro que a Betânia ficava quase atravessada na passagem, reclamando de dor nas costa com freqüência, mas quem manda ser canhota… Depois do recreio, suados, ficar com sede era uma martírio, mas água daquele filtro de barro que nunca era lavado, nem pensar. Éramos diferentes, vocês não ouviram, não viram, vocês nem notaram. Na época, agente adorava a escola e considerava vocês nossos segundos pais.

Os primeiros anos do primário foram lúdicos, vocês sempre encontravam uma forma bonita e diferente de ensinar: brincando e aprendendo, sempre com um carinho tão especial. Mas de repente tudo mudou, todos aqueles castelos construídos foram desfeitos abruptamente quando iniciamos o ginásio. A 5a. Série foi um suplício: ao invés de uma só professora para todas as matérias, agora seria uma para cada disciplina, os livros mais grossos, os textos mais profundos e freqüentar a escola já não era tão prazeroso, pois todas aquelas mudanças de uma só vez nos assustavam muito, sem falar que os novos colegas rapidamente nos passaram a chamar de “cegueta e hein”, nos sentimos diminuídos, humilhados. Os quatro anos de ginásio seguiram e junto com eles o nosso sofrimento.

Dia desses, nos encontramos. Eu, Administrador, Rafael, Gerente de Banco e Betânia, que se formou justamente em Magistério, daí relembramos e achamos graça daqueles tempos, dos nossos temores e dificuldades. Passados todos esses anos rimos muito do que no passado tanto nos maltratou e Betânia, agora educadora, disse: medidas simples como nos colocar nas primeiras bancas e trocar a banca de Betânia por uma apropriada para canhoto (sobrava em outras salas) e lavar aquele filtro de barro imundo pelo menos uma vez por semana, não teriam custo algum para a escola, mas dependiam exclusivamente do poder de observação e discernimento daqueles professores, que não ouviram, não enxergaram e nem notaram nada, eles eram deficientes profissionais.

Cumpriam expedientes (quando não faltavam) pelo salário que recebiam e só, não possuíam o menor comprometimento com a nobre tarefa de formar cidadãos, não se encontraram como agentes de mudança. Entendemos hoje, que eles não mereciam nem mesmo pelo que recebiam. Eu, Rafael e Betânia ficamos a nos perguntar: Será que agora, em alguma sala de aula desse país, ainda tem alunos vítimas de professores deficientes profissionais? Muitos…

Autobiográfico – Recife – PE SESI – Vasco da Gama Sérgio Vieira de Melo – Bom Jardim 13/07/2007

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