Procurando alguma coisa?

Crônicas

Fingidor

A alma de um ser humano, em alguns momentos da sua vida, torna-se tão sensível que é capaz de perceber algo do que se passa na alma de outra pessoa. Caso este ser humano seja um poeta, ele passará para o papel, na forma de verso, os sentimentos que percebe naquela pessoa. Talvez seja mais correto dizer: passará para o papel a maneira como percebe os sentimentos daquela pessoa. Muitas vezes isto causará confusão em quem lê o que ele escreve, pois pode pensar que são somente sentimentos ou vivências do poeta, todas as coisas que ele descreve na sua obra.

Algumas vezes, o sentimento que o poeta descreve é o que ele sente, embora não o confesse abertamente, dissimule seus sentimentos. Em poucas palavras Fernando Pessoa coloca esta idéia em uma das suas poesias: “O poeta é um fingidor / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente / E os que lêem o que escreve, / Na dor lida sentem bem, / Não as duas que ele teve, / Mas só a que eles não têm”.

Algumas pessoas dizem que “vemos com facilidade nos outros, aquilo que conhecemos”. Não sei se esta colocação é correta, mas acho melhor do que aquela que afirma: “vemos com facilidade nos outros, o que existe em abundância em nós”. Posso não ser ladrão, mas ver o roubo praticado por outras pessoas. Posso não ser santo, mas ver com facilidade as caridades praticadas pelas almas santas, apesar de minha alma ser a mais pura expressão da falta de caridade. Posso não ser demônio, mas identificar a maldade existente nas palavras e/ou nos atos das pessoas que convivem comigo.

Pergunte às pessoas que convivem com você se elas são fingidoras. A grande maioria vai responder que não é. Algumas ficarão ofendidas com a pergunta. Eu admito: sou um fingidor, independente do fato de escrever poesia. Na minha memória desfilam os momentos que fingi coisas que não sentia. Inúmeras vezes eu aparentei gostar de coisas que não aprecio; apenas para não ser desmancha prazer em uma reunião social, nestas ocasiões eu sou um fingidor. Uma mãe com seu filho recém-nascido nos braços olha para mim e pergunta: você já viu coisa mais bonita na sua vida? Apesar de achar a criança feia, eu respondo: é linda. Sou um fingidor.

Quem diz que nunca finge, está fingindo ser verdadeiro…

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, 27 e 28 de Dezembro de 2011.

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