Procurando alguma coisa?

Crônicas

Escrevinhador

Em decorrência das seqüelas deixadas pelo AVC eu esqueço algumas coisas, não sei se já escrevinhei sobre determinado assunto em algum trabalho já publicado. Deste modo eu posso estar repetindo em um trabalho coisa que já ditas em outros. Quando comecei a escrevinhar eu lia os trabalhos anteriores antes de publicar um novo, com a finalidade de verificar se estavam ocorrendo repetições, mas à medida que os trabalhos foram crescendo em quantidade, pois a qualidade continua a mesma porcaria, fazer tal leitura se tornou impraticável. Diminuí as atividades de escrevinhar, mas depois eu me perguntei se isto não seria uma boa desculpa para não fazer nada e o resultado foi retornar à atividade de escrevinhador. Assumi que estava a adotar o papel de coitadinho e voltei a escrevinhar, sem a atitude de ficar lendo tudo que já escrevinhei antes para evitar repetições.

Esta falta de memória às vezes me causa problemas, mas tem as suas vantagens, pois esqueço as coisas que não gosto ou não quero fazer sem sentir remorso. A desvantagem ocorre quando estou a jogar conversa fora com um grupo de pessoas e elas me pedem para recitar uma das minhas poesias, eu não sou capaz de fazer tal coisa, simplesmente porque não me lembro das coisas que escrevi. Algumas pessoas acham que estou fazendo chame e me rotulam de acordo com tal percepção. A parte do meu cérebro que fazia a função de memorizar textos foi afetada pelo AVC e não sou capaz de memorizar o que escrevo, embora seja capaz de lembrar todos os fatos do dia-a-dia que ocorrem comigo. O lado positivo é que até hoje não perdi um só amigo por ficar declamando as poesias que escrevi. Além disso, você já pensou o que seria da minha cabeça se estivesse armazenando todo esse lixo que eu escrevo? Com certeza eu já teria morrido intoxicado pelos gases exalados por tanta porcaria armazenada em um único local. Talvez não acontecesse nada por uma questão de similaridade.

Às vezes esqueço um problema importante que eu tinha de resolver e sou atropelado pelas conseqüências deste fato, algumas vezes um tanto quanto desagradáveis. Não me recordo das datas de aniversário de parentes e amigos, mas isto já ocorria antes do AVC, este problema só ficou pior, mas agora tenho uma boa desculpa para dar. Mas ocorreu uma mudança fundamental e muito positiva. Antigamente eu não vivia a Vida, eu procurava entender e explicar a Vida. Hoje eu não busco entender e explicar a Vida, eu apenas vivo a Vida da maneira que ela se apresenta.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, dezembro de 2006.
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