Nas noites em que eu sonho, ela está presente e sempre aparece sem dizer nada, com aquele olhar pidão. O que quer esta alma penada para aparecer nos meus sonhos, sem a menor cerimônia e sem ser convidada. Afinal de contas os sonhos são meus e não dela, eu não a conheço, nem desejo ser apresentado a ela, a mim bastam os fantasma que eu mesmo crio. De modo algum desejo acalentar os fantasmas dos outros, por favor, vá procurar outro ser humano para assombrar.
Sempre que esta sombra aparece não me deixa fazer as coisas que eu quero e gosto, é uma estraga prazeres, fica balançando a cabeça diante de algumas traquinagens que gosto de fazer. Eu não lhe dou atenção, finjo que não a vejo, mas ela não larga do meu pé, insiste até eu abandone o que estava fazendo e ela não aprovava, agora entendi o que significa a expressão: estraga prazeres. Será que as almas não têm o que fazer no local para onde elas vão. Aqui na Terra existem tantos problemas bem mais graves do que meus pecadilhos. Por que razão ela não aparece para os nossos governantes ou será que ela aparece e eles fazem como eu, fingem não estar vendo nada.
Acho gozada esta alma penada, quando eu estou fazendo as coisas que ela aprova, ela fica distante, fingindo estar morta. Quando eu penso que ela está sem me ver e vou fazer uma das muitas coisas deliciosas que ela não aprova, eis a sombra ao meu lado a balançar a cabeça em negativa. Já cheguei à conclusão que rezar para alma penada não adianta, pois todo dia oro pedindo a Deus que a conduza para o Céu, mas não sou atendido, talvez o destino dela seja outro. Isto me deixou um pouco cismado, se o destino dela não é o Céu, o que está fazendo no meu apartamento? Por acaso aqui é uma das sucursais do Inferno?
Eu pensei que as almas se ligassem às pessoas de acordo com as afinidades existentes entre elas e as pessoas, deste modo as que gostam de orar ficariam perto das beatas e assim por diante, estou evitando dar alguns exemplos que me passam agora pela cabeça. Deste modo, eu pensei que uma alma tão bem comportada não seria designada para mim. Espicaçado pela curiosidade pedi à sombra que me esclarecesse acerca daquele assunto, embora não esperasse nenhuma resposta dela. Para minha grande surpresa ela respondeu:
– “São os doentes que necessitam de médico”.
João Pessoa, 30 de novembro de 2006.