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Contos

Três Amigos

Três amigos marcam um encontro numa sexta-feira à noite para jantar e recordar os tempos em que eles estudaram juntos na mesma universidade. Estão formados há pouco tempo, mas já construíram carreiras de sucesso e conquistaram remunerações bem acima da média dos profissionais das suas áreas de atuação. São pessoas competentes e conscientes das suas qualidades e limitações, têm uma visão clara do que querem para suas vidas. As situações econômicas e financeiras dos três foram construídas em bases sólidas, apesar de jovens possuem patrimônios invejáveis. Dois deles cuidam do corpo e do espírito com a mesma atenção, uma posição de equilíbrio pouco vista nos dias atuais, quando se observa um grande número de pessoas privilegiando o corpo e esquecendo o espírito, enquanto outras privilegiam o espírito e esquecem o corpo, poucos cuidam do espírito e do corpo. Adriana e Fernando chegam ao local combinado na hora acertada, Euclides chega meia hora após os dois, um hábito a que os amigos estão acostumados, ele nunca cumpre o horário combinado para um encontro com eles. Os três fazem seus pedidos e iniciam uma conversação descontraída sobre suas vidas sentimentais.

– Eu disponho de pouco tempo para namorar ou sair com os parentes e amigos, os compromissos da vida profissional têm ocupado todo o meu tempo, coloca Fernando.

– Você nunca quis manter compromisso sério com uma mulher, interfere Adriana. Na realidade você não gosta de ter compromisso com nada, exceto com seu trabalho, e isto para não perder a fonte de renda capaz de sustentar seus gostos extravagantes.

– Minha cara amiga, a sua língua continua afiada como sempre, retruca Fernando, mas devo lhe dizer que não troco de parceira sexual com a mesma velocidade atingida por você, comparando nossos desempenhos eu sou a tartaruga e você a lebre.

– Meu queridinho, replica Adriana, o homem não suporta conviver com uma mulher bem sucedida no campo profissional e que tem pouco tempo disponível para ele. Alguns homens não aceitam que a mulher tenha outros compromissos que não sejam eles, tais homens se consideram o centro do universo e acham que todos os demais seres vivos devem girar ao seu derredor. Como eu tenho muitos compromissos profissionais e não posso estar à disposição deles na hora que desejam, então surgem os problemas.

– Nós estamos aqui para trocar “gentilezas” ou para conversar, pergunta Euclides em tom de gozação, com o objetivo de dar outro rumo à conversa.

– Meu caro amigo, coloca Fernando, já notei uma coisa: quando as minhas discussões com Adriana tratam de outros assuntos você não interfere. Mas quando o assunto é relacionamento você desvia nossa conversa para outra coisa. Por que este assunto incomoda você?

– Este assunto não me incomoda, responde Euclides, você está enganado.

– Gostaria que você esclarecesse uma coisa: por que nunca fala de seus relacionamentos, pergunta Adriana.

– Entendo que a intimidade de um casal deve ser de interesse apenas dos dois, não é assunto para ser discutido com os amigos, coloca Euclides, um tanto quanto incomodado com o rumo da conversa.

– Concordo inteiramente com isto, coloca Adriana, mas não é este o nosso caso. Não desejamos saber o que você faz na cama, sentimos falta de informações a respeito das suas relações amorosas. Apenas coisas do tipo: conheci uma pessoa legal, estamos namorando há duas semanas, nós temos saído e nos divertido muito… Caso você nos contasse as suas intimidades sexuais nós classificaríamos tal atitude como um comportamento de uma pessoa de caráter leviano. Deixe-me colocar a questão de uma maneira diferente: por que você não fala sobre este assunto?

– Não gosto de falar sobre isto, coloca Euclides.

– Pode explicar a razão, pergunta Fernando.

– Não sei se devo fazer isso, responde Euclides. Somos amigos há muitos anos, eu uso um kit de informações com vocês, uso outro kit com a família, enfim, uso um kit diferente para cada grupo que me relaciono.

– Você agora me surpreendeu, confessa Adriana. Caso eu tenha entendido bem a sua colocação você está nós dizendo que é uma pessoa diferente daquela que conhecemos há vários anos?

– Eu diria que vocês conhecem apenas minha face profissional, não conhecem as outras faces, coloca Euclides. Eu sempre evitei falar a meu respeito, discuti apenas assuntos profissionais ou acontecimentos do nosso dia a dia. Ainda estou em dúvidas se devo mostrar uma face que vocês não conhecem, tenho medo de não ser compreendido.

– Meu caro amigo, interfere Fernando, depois de tantos anos de convivência com você eu gostaria de conhecer mais o Euclides, caso você esteja disposto a nos apresentar o lado que oculta.

– O fato de você falar sobre este assunto revela uma intenção de se abrir conosco, interfere Adriana. Você sabe que conta conosco em qualquer situação.

– Sei que posso contar sempre com vocês desde o tempo de estudante, coloca Euclides, mas não consigo falar, tenho medo de não ser compreendido ou de afetar o nosso relacionamento.

– Só existe uma maneira de você saber qual será o nosso comportamento, coloca Adriana, falar e observar as nossas reações.

– Eu tenho certeza de que não perderei a amizade de vocês, mas temo que o nosso relacionamento mude após escutarem o que desejo falar para vocês, confessa Euclides.

– Meu amigo, coloca Fernando, fique à vontade para falar o que deseja ou se calar e falarmos sobre outro assunto, a escolha é sua. Fale no momento que desejar, qualquer que seja a sua escolha a nossa amizade será a mesma.

– Eu vou falar logo: eu sou gay, desabafa Euclides abruptamente.

– Eu já sabia disso desde o tempo de estudante, coloca Adriana.

– Eu não sabia, confessa Fernando. Minha cara Adriana, você é uma mulher discreta, jamais me falou isso nas vezes que saímos sozinhos.

– A opção sexual de Euclides é assunto dele e não cabe aos seus amigos fazerem comentários sobre isto na ausência dele. Gostaria de fazer algumas colocações a este respeito, caso Euclides me permita.

– Esteja à vontade Adriana.

– As energias sexuais do homem e da mulher são complementares, quando se juntam formam uma unidade. Este assunto, tratado com muita sabedoria pelos orientais, já foi estudado com muita propriedade pela psicologia ocidental, chegando às mesmas conclusões que acabei de falar. Isto significa dizer que pessoas do mesmo sexo envolvidas em uma relação sexual não se realizam física e espiritualmente. Nas relações homossexuais existem energias sexuais da mesma polaridade, não existe complementaridade, isto acarreta uma insatisfação íntima nas pessoas envolvidas neste tipo de relação.

– Conheço muitos casais heterossexuais que também não se realizam nas suas relações, coloca Euclides.

– É verdade, responde Adriana, mas as causas são outras. Nos casais de homossexuais que conheço sempre existe uma insatisfação a se manifestar de várias maneiras.

Fernando permaneceu calado durante o período em que os amigos conversavam sobre homossexualismo, observa a habilidade de Adriana colocar para Euclides suas posições acerca de assunto tão delicado, sem ferir ou causar qualquer desconforto no amigo. O jantar chega e os amigos interrompem a conversa que toma outro rumo. Após o jantar eles retornam para suas casas pensando na conversa que tiveram.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, Outubro-Novembro de 2008 e Junho de 2009.
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