É a primeira vez que Joaquim e Hilda saem juntos sem estarem acompanhados pelos amigos, eles caminham pela praça localizada longe de suas casas, local combinado com a finalidade de não serem vistos pelas pessoas que os conhecem. Os dois enfrentam as dificuldades que as pessoas tímidas têm nestas ocasiões. A conversa entre eles é entrecortada por longos períodos de silêncio. Entre a pergunta de um, a resposta do outro e o diálogo seguinte, os dois caminham sem saber o que dizer, fingindo prestar atenção ao que se passa ao seu derredor, por se sentirem incapazes de manter uma conversa sobre os seus desejos de manterem um relacionamento amoroso. Os dois caminham separados, sem se tocarem ou esboçarem qualquer gesto para uma aproximação física. Joaquim caminha sem saber o que fazer com as mãos, ora enfiadas nos bolsos da calça, ora deixadas soltas, ora esfregadas uma na outra, numa declaração expressa de nervosismo. Hilda segurar a pequena bolsa com as duas mãos, contraindo-a contra o estômago, como se estivesse com medo de um assalto a qualquer momento ou como se ali estivesse o seu mais precioso tesouro. Olham um para o outro pelo canto dos olhos, não se encaram. Quando a mão dele está solta e bate no corpo dela, embora tenha sido um ato involuntário, a mão é imediatamente recolhida ao bolso, como se a mão fosse culpada de uma grande travessura e tivesse de ser presa por isso. Depois de um longo tempo caminhando pela praça sem os dois conseguirem declarar a intenção do encontro e sem terem um contato físico, tão normal entre duas pessoas que buscam um relacionamento, por incapacidade de darem o primeiro passo neste sentido, eles retornam para suas casas. Estão exaustos pelas emoções do primeiro encontro, apesar de ter sido totalmente platônico.
Joaquim e Hilda já escutaram, nas conversar com os seus amigos, os relatos sobre os encontros amorosos que eles têm e ficam admirados com as intimidades que praticam no primeiro dia. Eles não foram capazes de segurar a mão do outro, apesar do desejo que sentiam de trocar carícias. Qual a causa de tamanha timidez, perguntam a si mesmos. Em pleno século XXI eles ainda não tiveram contato físico mais íntimo com o sexo oposto, fato que não contam para os amigos com medo de se tornarem motivos de piadas e brincadeiras que os machucariam muito. Nestas ocasiões os jovens são cruéis, não vislumbram as dificuldades enfrentadas pelos outros e os tornam motivos de chacotas.
Deitado em sua cama, sem conseguir conciliar o sono, Joaquim pergunta a si mesmo qual a razão de não ter declarado a Hilda o seu desejo de namorá-la ou simplesmente ter segurado a sua mão sem dizer nada. É verdade que ela manteve as mãos retraídas, segurando a bolsa, mas ele poderia ter colocado a mão no ombro dela. Nunca namorou e sente inveja de garotos bem mais jovens do que ele a passearem abraçados com suas namoradas, a se beijarem e se acariciarem durante conversas animadas que mantinham sem a menor dificuldade. Ele ainda não tocara mais intimamente uma mulher, conhecia a nudez do corpo feminino através de fotos em revistas e de filmes na televisão e no cinema. Os seus pais não conversavam com ele acerca de sexo. Ele também não tinha coragem de contar suas dificuldades para os seus pais ou para algum amigo.
Hilda também não consegue dormir, está pensando no seu encontro com Joaquim. Há muito tempo que ela sente o desejo de ter um namorado, ser igual às outras garotas do seu grupo. Ela vem observando Joaquim há muito tempo, mas não tem coragem de se insinuar, sempre foi muito retraída quando se trata de se relacionar afetivamente com o sexo oposto. Ela nunca teve um relacionamento afetivo.
Os encontros entre Joaquim e Hilda se sucederam durante o mês sem mudanças no comportamento dos dois. Apenas no quarto encontro eles se sentam em um banco da praça e conseguem manter uma conversa mais animada. Eles têm consciência de suas dificuldades para manter contato físico e lutam para vencê-las. Em alguns momentos eles pensam em confessar para o outro a sua inexperiência no relacionamento amoroso, mas lhes falta coragem. Nesta tarde de sábado eles resolveram assistir um filme que está sendo muito comentado por todos os seus amigos. Durante a sessão eles encostam os braços nas poltronas e suas mãos se tocam sem ser por eles retiradas. Após algum tempo em que um sente o calor do braço do outro, seus dedos mindinhos se mexem e se acariciam, o que provoca reações jamais sentidas por eles. Na tela do cinema um casal troca carícias ardentes e acende o desejo sexual nos dois. As mãos se acariciam, os dois se sentem inebriados de prazer por este ato tão banal para a maioria dos jovens da idade deles, mas para aqueles dois este ato tinha custado vencer muitas barreiras. As mãos se separam quando a sessão acaba e as luzes se acendem, eles retornam para suas casas sem trocarem nenhuma palavra, na despedida marcam um encontro para quarta-feira.
Na quarta os dois se encontram no local habitual e caminham de maneira mais descontraída, seus braços se tocam sem serem recolhidos, algumas “batidas” de braço são provocadas por eles, um tipo de comportamento um pouco infantil para as suas idades. Após conversarem algum tempo resolvem ir novamente ao cinema, uma promessa velada de repetir a vivência do sábado passado. Eles entram no cinema e se acomodam em um canto com pouca gente. Quando as luzes se apagam eles encostam os braços e as mãos se acariciam. Depois de algum tempo os dedos se entrelaçam e se afastam suavemente, as mãos se afagam. Pela primeira vez eles deixam de prestar atenção ao filme e concentram sua atenção no outro, olham um para o outro com ternura e acontece o primeiro beijo, sem que eles saibam explicar como aconteceu, arrastados pelo ímpeto da atração física. Ele consegue alisar os joelhos dela, o que causa um prazer imenso aos dois, que se arrepiam de prazer. Os beijos se repetem, a excitação sexual dos dois aumenta, a mão dele alisa o joelho dela e vai subindo pelas coxas, mas é detida pelas mãos dela, que se afasta com a respiração ofegante. Durante todo o restante da sessão ela não permite novas aproximações e passa a prestar atenção ao filme. Na volta para casa ela segura a mão dele e os dois caminham de mãos dadas no retorno para suas casas. Eles se despedem com um beijo rápido.
No sábado os dois resolvem dar uma caminhada na praia, tomar um pouco de sol. No início eles ficam um pouco acanhados, não se sentem à vontade em estar de traje de banho na frente do outro. Ao verem a liberdade de alguns casais a caminhar com trajes reduzidos, completamente à vontade, elas vão perdendo a timidez e passam a andar na areia, deixando que as ondas molhem seus pés. Depois de uma caminhada eles dão um mergulho e vão se sentar na sombra de um coqueiro, onde ficam a fazer planos para o futuro. Namorar Hilda era o sonho dourado de Joaquim, agora transformado em realidade. Eles ficam debaixo do coqueiro a sonham em passar no vestibular, fazer a faculdade e depois o doutorado no exterior, casar e ter três filhos.
Joaquim e Hilda resolvem contar para os amigos que estão namorando e voltam a fazer programas junto com o grupo. O tempo passa, eles estão namorando há mais de um ano, com muitos acertos e alguns desacertos. Os dois estão mais maduros, aprenderam muito um com o outro. Ao vencerem as barreiras iniciais do medo e da falta de experiência, eles se abriram para experimentar a vida e deram a si mesmos o direito de serem felizes. Caso não tivessem vencido seus medos, o que seria agora a vida deles?
João Pessoa, agosto de 2007.