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Contos

Querela II

O telefone toca enquanto Antônio toma banho. Não deve ser uma pessoa do seu relacionamento, não tocou para o celular, após não ter conseguido falar pelo telefone convencional. A campainha do telefone continua a tocar, insistente. Depois de muitas chamadas dá uma trégua. Após o banho Antônio veste um pijama, senta-se diante da televisão para assistir um jogo de futebol do time do coração. Os times entram em campo para iniciar o jogo, neste momento o telefone toca novamente. Ele atende a ligação, escuta uma voz feminina a esbravejar. Reconhece aquela voz, apesar de ter falado com a dona da voz apenas uma vez, há muito tempo. Imediatamente desliga o telefone e retira a tomada do aparelho da parede, depois vai assistir ao jogo. No dia seguinte Antônio liga o telefone e vai trabalhar. São mais de nove horas da noite quando ele retorna ao seu apartamento. Está pronto para tomar banho quando o telefone toca, ele atende.

― Alo, diz Antônio.

― Reconheço esta voz, é o senhor Antonio, que já me causou inúmeros problemas. Ontem liguei para o seu número por engano, depois de muito tempo o senhor atendeu e quando eu falei, desligou o telefone sem dizer nada, uma tremenda grosseria. Voltei a ligar, mas o senhor ignorou as minhas chamadas e isto me prejudicou muito.

― Como posso ter prejudicado você, pergunta Antônio.

―Eu pensei que tinha sido meu namorado que desligou na minha cara e voltei a insistir na ligação, indignada com o fato, sempre apertando a tecla de rediscagem. O telefone tocava até a ligação cair e ninguém atendia, apesar da minha insistência. O meu namorado ligava para mim e encontrava a linha ocupada, resolveu sair sozinho. Quando falei com ele hoje pela manhã, disse coisas desagradáveis, pois pensava que ele tinha desligado o telefone na minha cara. Discutimos e ele pediu um tempo para avaliar nosso relacionamento. Tudo culpa sua, seu grosseiro, você poderia ter falado comigo e nada disso teria acontecido. Sinto vontade de matar você!

― Minha cara senhora, acabo de chegar agora em casa, depois de um dia exaustivo de trabalho, vou lhe dizer apenas isto: estou cansado e sem paciência para escutar os problemas de uma pessoa que sequer conheço, não sei como se chama. Passe bem!

― Vou lhe avisar uma coisa, caso o senhor desligue na minha cara, eu verei o endereço do seu telefone na internet e irei até a sua casa lhe dizer poucas e boas!

― Entendo agora a razão de seu namorado ter pedido um tempo…

― O que o senhor quer dizer com isso?

― Nada, nada. Bom, agora que já nos falamos, quero lhe desejar uma boa noite.

― Você não tem jeito, vai desligar o telefone sem perguntar o meu nome?

― Qual é o seu nome, pergunta Antônio, ansioso por encerrar a conversa.

― Meu nome é Angélica. Você deveria ter perguntado meu nome na primeira vez que nos falamos.

― Desculpe-me por não ter perguntado seu nome antes, mil perdões por alguma falta que tenha cometido. Foi um prazer imenso ter conversado com você. Boa noite.

― Meu Deus, que homem agoniado! Depois de todos os problemas que você me causou, apenas quer desligar o telefone…

― Minha cara senhora Angélica, estou muito cansado, desejo apenas tomar um banho e dormir, portanto, vamos encerrar esta conversa. Estou lhe dando boa noite para encerrar esta ligação educadamente, pois acredito que uma pessoa que insiste tanto tempo em uma conversa telefônica é capaz de vir até aqui me incomodar.

― Vou lhe confessar uma coisa e espero que entenda. Eu jamais sairia do conforto da minha casa para ir falar com uma pessoa que não conheço. Um dia, há muito tempo atrás, eu me senti só, apanhei o catálogo telefônico e escolhi aleatoriamente um nome e anotei o número do telefone. Liguei e aconteceu a nossa primeira conversa, há muito tempo atrás. Gostei tanto que anotei o seu nome e o seu número para manter outros contatos, mas perdi minha caderneta de anotações e não foi possível falar com você novamente. Hoje encontrei minha caderneta e estamos aqui a conversar agradavelmente. Gostaria de lhe perguntar uma coisa: você quer conversar comigo duas vezes por semana?

― Espere um momento… Tudo o que me falou era mentira?

―Sim, eu tenho 78 anos e vivo muito só, esta é uma maneira que encontrei para manter contato com as pessoas.

― Vá se ferrar, esbraveja Antônio e desliga o telefone.

Angélica desliga o telefone e fica a pensar: como estes jovens de hoje são estressados, ficam irritados com uma brincadeira tão inocente e não têm o mínimo respeito com os idosos, no meu tempo era bem diferente…

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, Abril de 2011.

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