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Contos

Pensamentos Soltos

Quando eu escuto alguém dizer que uma pessoa está com a pele queimada, eu penso com os meus botões: ficou muito tempo exposta ao sol. Como eu moro no nordeste brasileiro, este é o raciocínio “natural” de quem habita nas proximidades do equador. Até aí tudo bem, o problema ocorre quando eu limito minha visão a esta única possibilidade de queimar a pele. Deixo de lado o fogo e produtos que podem nos causar sérias queimaduras, deixo de ver que uma pessoa pode provocar danos à pele ficando exposta ao frio intenso, temperaturas abaixo de zero, situação não vivenciada por um nordestino, acostumado a viver debaixo de sol causticante.

Na vida dos seres humanos as queimaduras sentimentais podem ser provocadas pelo fogo da paixão ou pelo frio da solidão, ambos fustigam a alma, mas propiciam aprendizados fabulosos. Cada uma destas situações extremas propicia um tipo de aprendizado, ambas ensinam lições preciosas para o ser humano. A solidão nos ensina a mergulhar dentro de nós mesmos, examinar as nossas possibilidades e limitações, avaliar os nossos acertos e erros, conhecer melhor a nossa realidade interior. A paixão nos leva à exacerbação dos sentimentos, à irracionalidade e a realizar muitas loucuras, lições preciosas sobre maneiras irracionais de agir.

Eu prefiro viver chamuscado pelo fogo da paixão a ser enregelado pelo frio da solidão, mas entendo que isto sempre foi e será uma questão de escolha pessoal, imposta pela experiência de vida de cada pessoa, decisão ditada muitas vezes pelo inconsciente. Em muitas ocasiões eu gosto de ficar sozinho, quando estou escrevendo um livro, mas sempre tiro um ou dois dias da semana para estar com os filhos e netos, com os amigos. Em alguns períodos do ano eu gosto de estar cercado de pessoas, conversar ou realizar qualquer tipo de atividade em grupo, assistir uma palestra, um filme ou uma peça de teatro.

A vida moderna propicia tantas facilidades de comunicação que o ser humano pode entrar em contato com alguém em qualquer parte do mundo sem sair da frente do monitor do seu computador, facilitando muita a sua vida para resolver várias situações ou matar as saudades de uma pessoa querida. Esta facilidade de contato virtual tem levado muitas pessoas a se acomodarem em suas residências, mantendo contato com outros seres humanos apenas pelos meios de telecomunicação. Hoje você pode conversar com uma pessoa vendo a sua imagem, olhando nos seus olhos, só não dá para sentir o cheiro e o calor da sua pele. Estas facilidades oferecidas pelos meios de comunicação têm levado muitas pessoas a se isolarem em suas residências e acharem que estão em relacionamentos ideais com outros seres humanos, sem perceberem que é um contato apenas virtual, sem a riqueza e o aprendizado do relacionamento direto e ao vivo, tão necessário para uma vida mais saudável sob todos os aspectos.

Embora a telemática facilite a vida moderna e ajude a economizar tempo e gastos de energia em deslocamentos, eles não devem substituir o contato direto entre as pessoas, a troca de energia, de carinho e outras coisinhas mais, a variarem de acordo com o tipo de relacionamento e de intimidade existente entre as pessoas envolvidas no processo. Não existe nada mais gostoso do que o contato direto com as pessoas que nos são simpáticas, desfrutar uma refeição juntos, escutar o som da sua voz e sentir o calor das suas idéias ao vivo. Talvez dentro de pouco tempo a comunicação à distância possa ser feita com todos esses ingredientes, mas eu acredito que mesmo nessa época a comunicação direta entre os seres humanos ainda será mais rica do que a virtual.

Algumas pessoas acham que as conversas mantidas pelo computador é uma maneira de soltarem as feras interiores, pois ninguém sabe quem são elas, podem escrever as besteiras que quiserem usando nome e e-mail criados somente para serem usados em tais ocasiões. Nestes casos o aconselhável seria a consulta a um psicólogo, a fim de identificar as causas que as impedem de serem pessoas autênticas, capazes de expressarem aquilo que sentem e pensam, fazerem o que acham agradável e necessário. Outras dizem ser mais fácil cortar uma conversa virtual desagradável, basta apertar um botão e a pessoa chata é mandada para o espaço. É verdade que na comunicação face a face muitas vezes escutamos uma conversa pouco interessante por uma questão de delicadeza, mas isso acontece também nos outros meios de comunicação, portanto o problema diz respeito ao nosso comportamento e não deve ser atribuído a outras causas.

As palavras desagradáveis que nos machucam, quer sejam ditas ao vivo ou por outro meio de comunicação, causarão estragos do mesmo jeito. Eu concordo que existem situações em que uma carta, um telefonema ou um e-mail seria mais indicado para resolver uma situação desagradável, abrem espaço para um entendimento pessoal posterior, aplainando dificuldades e possibilitando um entendimento direto mais tarde. O problema é que as pessoas estão perdendo o contato direto com as outras, usam apenas os meios de comunicação à distância.

Inúmeras crianças deixam de brincar, fazer exercícios, correr ao ar livre, participar de brincadeiras e jogos com outras crianças para estarem sentadas diante da tela de uma televisão ou de um microcomputador. Estamos criando uma geração pálida e obesa, cujos problemas de saúde serão evidenciados dentro de pouco tempo, com sérias conseqüências para suas vidas já na fase da infância.

Os parques, as praças e outros espaços são necessários para propiciar uma melhor qualidade de vida nos centros urbanos, mas eles estão sendo devorados pelo apetite voraz do setor imobiliário. As nossas cidades estão se transformando em blocos amontoados de concreto, sem espaço para as pessoas terem uma vida mais saudável, sem espaço para as árvores, sem espaço para os animais. Sob a alegação de gerar empregos, destroem a qualidade de vida das gerações atuais e das gerações futuras, empurram as crianças para o confinamento em seus lares, cujo resultado é ficarem grudadas em uma tela de televisão ou de computador. Quantos recursos serão gastos no futuro para corrigir estes erros atuais, quantos recursos serão gastos no campo da saúde com problemas de obesidade e de coração devido ao nosso comportamento atual, somente o tempo dará esta resposta.

Não sou contra o progresso, não estou a fazer apologia de épocas passadas, gosto de viver o tempo presente, o aqui e agora, desejo apenas alertar sobre a necessidade de valorizarmos mais a vida do que o dinheiro. Desejo apenas louvar o esforço de poucas e abnegadas pessoas que defendem a qualidade de vida e têm a coragem de se opor aos interesses de grupos econômicos poderosos. Tais grupos econômicos manipulam a opinião pública através dos meios de comunicação de massa de sua propriedade ou controlados por eles.

A camada de ozônio que protege a Terra dos raios solares está sendo destruída pela poluição do parque industrial das nações ricas, ditas de primeiro mundo, mas que se negam a modificar seu parque industrial, pois isso custaria muito dinheiro. O que significa este ato deles? Com esta atitude eles estão a nos dizer que o dinheiro é mais importante do que a Vida. E nós somos chamados de terceiro mundo, avaliados pura e “burramente” por fatores econômicos. E são estas nações que decidem o destino do nosso planeta, semeiam guerras e destruição, arruínam nações que pensam de maneira diferente. E o que é pior, através dos meios de comunicação de massa ditam os padrões culturais a serem seguidos por todos.

Há muitos anos atrás, em uma carta que escreveu para o então presidente dos Estados Unidos, respondendo a uma consulta sobre a venda do território da tribo ao governo, o chefe indígena comunica que venderá a terra, mas pede que o homem “civilizado” tenha o mesmo cuidado que eles têm com a natureza. O chefe indígena salienta que se isso não ocorrer será “o final da vida e o início da sobrevivência”.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, agosto de 2006.

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