Procurando alguma coisa?

Contos

Olhos de Ver

– Só enxerga os ensinamentos quem tem dois olhos de ver, diz a anciã sentada à beira da Estrada da Vida.

– Eu tenho dois olhos, portanto, posso aprender os ensinamentos desta Estrada, diz um viajante que passa naquele momento e pára junto da anciã, intrigado com a colocação que acabara de ouvir.

– Muitas pessoas passam e nada vêem. E, por nada verem, andam pela Estrada da Vida sem nada aprender na sua caminhada, diz a anciã.

– Como pode uma pessoa olhar e não ver, pergunta o viajante.

– Os ensinamentos essenciais da Estrada da Vida não podem ser vistos pelos dois olhos que estão encravados em nosso rosto. É necessário ter mais dois olhos.

– Os seres humanos têm apenas dois olhos, a senhora delira em decorrência do calor desta hora do dia.

– Entenda o que lhe digo, insiste a anciã, são necessários mais dois olhos para um ser humano ver as coisas essenciais da Vida.

– E que olhos são estes, pergunta o viajante, intrigado com o que tinha escutado.

– O olho do amor e o olho do conhecimento, sem ter estes dois olhos um ser humano não vê as coisas essenciais da Vida. E são poucas as pessoas que têm estes dois olhos em estado de equilíbrio, coloca a anciã.

– Onde estes olhos estão localizados?

– No coração fica localizado o olho do amor e no cérebro o olho do conhecimento. A maioria das pessoas desenvolve apenas um destes olhos. Por esta razão vemos tantos desequilíbrios nos relacionamentos humanos, tanto no relacionamento entre os povos quanto no relacionamento entre os indivíduos…

– Não percebi ainda o que você quer me dizer, interfere o viajante.

– O desenvolvimento do olho do conhecimento dá aos olhos físicos a capacidade de entender o universo. Quando uma pessoa tem o olho do conhecimento desenvolvido, os seus olhos físicos enxergam coisas que não podem ser vistas sem o precioso auxílio deste olho, ela é capaz de perceber coisas que os olhos físicos não enxergam.

– Começo a entender o que você quer dizer, confessa o viajante.

– O desenvolvimento do olho do conhecimento é muito perigoso, ele pode levar o ser humano a provocar muita destruição na Terra.

– O desenvolvimento da ciência é vertiginoso, então o ser humano está fadado à destruição, conclui o viajante.

– Isto seria verdade se o olho do amor não existisse…

– De que maneira o olho do amor pode impedir a destruição da Terra, interrompe novamente o viajante.

– A Vida é sábia! De um modo geral, o olho do conhecimento se desenvolve mais rápido do que o olho do amor. Entretanto, quando o olho do conhecimento atinge um determinado tamanho, a Vida impede que ele continue a crescer até que o olho do amor atinja um tamanho equivalente ao dele. Desta maneira, um equilíbrio relativo entre os dois é mantido. Quando o olho do amor se desenvolve mais do que o olho do conhecimento, o seu crescimento também é impedido pela Vida, até que o equilíbrio relativo entre os dois seja restabelecido. Tanto o amor sem conhecimento quanto o conhecimento sem amor, podem levar um ser humano a cometer muitos desatinos.

– Eu pensei que tinha apenas dois olhos, coloca o viajante.

– O ser humano tem outros olhos ainda desconhecidos da ciência. Bem-aventurado é aquele cujos olhos físicos vêem o mundo através do olho do conhecimento e do olho do amor em perfeito equilíbrio.

Ao escutar aquelas palavras o viajante se despede e segue seu caminho, meditando nas palavras que ouvira da anciã. Só então ele se conscientiza de que não declinou seu nome e não sabe o nome da anciã. Volta apressado para se apresentar e perguntar o nome dela, mas não a encontra e não consegue ver para onde ela foi. Em silêncio, segue seu caminho, tentando ver cada coisa através do olho do amor e do olho do conhecimento.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, 31 de agosto de 2010.
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