Procurando alguma coisa?

Contos

Km de Andança

Um homem chamado Pedro gosta de caminhar pelas ruas da cidade. Certo dia, após uma longa caminhada, ele está descansando no banco de uma praça. Outro homem acomoda-se ao seu lado, aspecto cansado e com a máscara da angústia afivelada ao rosto. Aparenta estar na casa dos cinqüenta anos, a pele do rosto queimada, as suas mãos cheias de calos eram atestados vivos da sua condição de trabalhador laborioso. Os cabelos enevoados pelo tempo eram testemunhas das suas longas lutas para ganhar o pão de cada dia. Roupas desgastadas pelo uso, alguns remendos tapam os buracos que haviam escavado o tecido. Nos pés traz sandálias que de tão usadas tinham perdido a cor e pouco protegem das pedras do caminho.

– Bom dia, o meu nome é Pedro.

– Muito prazer, responde o homem com um tom de tristeza na voz. Eu me chamo Joaquim.

– Desculpe-me a intromissão, mas gostaria de saber a causa de tanta tristeza no seu semblante.

– Não entendi o que o senhor colocou, me desculpe.

– Por que está triste?

– Ah sim… Nada não seu moço, coisa da vida.

– Que “coisa” a vida fez para lhe deixar tão triste?

– É muito duro pra um pai de família escutar seus filhos chorando de fome e ele não ter um pão pra dar.

– Você está desempregado?

– Sim senhor, faz uma semana que a empresa onde eu trabalhava foi à falência, os nossos salários estavam atrasados. Não sei quando vou receber o dinheiro dos salários atrasados e da indenização, dar baixa na carteira de trabalho. Não posso procurar o auxílio desemprego porque a minha carteira mostra que estou empregado, responde Joaquim.

– Já procurou se inscrever nos órgãos públicos para conseguir um novo emprego?

– Sim senhor, eu já fiz isso, mas pra trabalhador braçal não tem vaga. Existe muita coisa pra quem tem estudo.

– E os seus filhos estudam?

– Estudam sim senhor. Não quero que eles passem pelas dificuldades que eu passo, só sei assinar o nome, só consigo emprego pra serviço pesado que paga pouco.

– E o que você vai fazer para alimentar sua família?

– Faço biscate, mas tem dia que não aparece nada. O jeito é passar fome, não sei pedir esmola. Já pedi a Deus pra me ajudar a encontrar um trabalho, um dia Ele escuta o meu pedido.

– Quando você escuta seus filhos pedindo comida e você está sem nada para oferecer a eles, alguma vez você pensou em roubas, pergunta Pedro.

– Pensar a gente pensa, mas afasta esse tipo de pensamento da cabeça, reza e sai procurando uma atividade pra ganhar um trocado pra comprar o pão das crianças. Vou lhe dizer uma coisa seu moço, eu já andei muitos quilômetros pelos caminhos da vida, foi muita andança seu moço, entrei e saí de muitos lugares, estas mãos que Deus me deu só levaram pra casa o que me pertencia. E todo dia eu rezo e peço a Deus pra me conservar assim.

– O que você sente quando vê e escuta as notícias de roubo nos jornais e na televisão?

– Tenho pena dessa gente, depois da sua morte, quando se apresentarem a Deus e mostrarem as suas mãos, elas estarão manchadas com os roubos que cometeram.

– Você vota?

– Voto sim senhor, não perco uma eleição, cumpro o meu dever de cidadão.

– Já sentiu vontade de deixar de votar quando escuta as notícias dos roubos dos políticos, pergunta Pedro.

– Seu moço, essa não seria a atitude correta a ser tomada. Agindo assim deixo o campo livre pra eles atuarem da maneira que quiserem.

– Qual a atitude correta a ser adotada?

– Não sei qual a atitude correta a ser adotada, sou um homem de poucas letras. Na nossa comunidade estamos fazendo reuniões com os candidatos, mostramos a eles as nossas necessidades. Aqueles políticos que não cumprem as suas promessas deixam de receber nossos votos nas eleições seguintes.

– Você me aguarda um instante, tenho de fazer uma ligação, mas ainda tenho uma coisa para lhe perguntar.

– Aguardo sim senhor.

Pedro se afasta um pouco, faz uma ligação e retorna. Tira um pedaço de papel e uma caneta do bolso da sua roupa, anota um nome e um endereço, em seguida ele junta uma nota de cem reais ao pedaço de papel e os entrega a Joaquim.

– Este dinheiro é um empréstimo que lhe faço. Você vai procurar esta pessoa neste endereço, ele precisa de um alguém com as suas características. Primeiro faça suas compras e leve para casa, em seguida vá procurar esta pessoa. Depois acertaremos uma maneira de você pagar o empréstimo.

As lágrimas escorrem pelo rosto de Joaquim, ele quer agradecer o seu benfeitor, mas as palavras estão embargadas na garganta. Pedro aperta a sua mão e retoma sua caminhada. Joaquim faz uma prece e agradece a Deus a ajuda recebida, pede bênçãos para aquele homem que nunca vira antes, mas tinha resolvido seu problema de sobrevivência.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, 2 de Novembro de 2009.
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