Procurando alguma coisa?

Contos

Bisbilhotando

A praia está movimentada nas primeiras horas da manhã. O Sol apareceu na linha do horizonte, seus raios já anunciam um dia muito quente, suavizado pela brisa marinha. Muitas pessoas caminham no calçadão, passam em grupo ou sozinhas, prontas para receberem os primeiros raios de Sol desta manhã tão linda. Ando a esmo pela praia, acompanho alguns grupos que passam, escuto suas conversas, observo o comportamento de cada componente do grupo. Como ando devagar não consigo acompanhar por muito tempo um grupo de pessoas, escuto apenas fragmentos das suas conversas antes que eles se distanciem.

O primeiro grupo que bisbilhotei foi de senhoras da minha idade. Elas estavam indignadas com o namoro de uma jovem que mora perto das casas delas. Todas elas descreviam os beijos da moça com o namorado com tanta riqueza de detalhes e citando os dias em que foram mais ardentes. Concluí ser este um costume antigo do grupo, mas fiquei intrigado com as riquezas de detalhes dos beijos. Como elas conseguiam ver os movimentos das línguas dentro das bocas? Maldosamente cheguei à conclusão que aquele é o modo como elas gostariam de ser beijadas. Olhei para a mão esquerda daquela cuja descrição é mais ardente, tinha uma aliança de casada, pensei comigo mesmo: o que acontece com o seu casamento para ela agora olhar o namoro dos jovens? Ela começou a descrever as carícias que o casal fazia, mas apesar dos meus esforços não consegui acompanhar o grupo devido às minhas dificuldades de locomoção. Então eu me dei conta de que invadi a privacidade delas, apesar de ter reprovado os seus comportamentos com relação aos namorados.

Um jovem casal passa alegre, a moça a escutar sorridente e o rapaz a descrever suas atividades profissionais com riqueza de detalhes, eu não resisto e sigo os dois. Os olhos de cada um brilham como estrelas em noites escuras e procuram avidamente os olhos do outro. Seus rostos estão iluminados, caminham sem se tocarem, vão rápidos e alegres. Impulsionados pelo vigor da juventude eles se distanciam rapidamente e não consigo acompanhá-los. Tive a impressão de que são duas pessoas a iniciarem um relacionamento dentro de pouco tempo ou ali temos uma amizade a se perder de vista.

Agora eu bisbilhoto dois casais, os homens trocam impressões sobre a complicada e tumultuada situação política do nosso Estado. As mulheres conversam acerca dos últimos capítulos das novelas com um ardor digno de inveja. Os quatro estão gordos e barrigudos, andam mais devagar do que as outras pessoas, eu posso escutá- os mais tempo. Eles apresentam soluções para os problemas mais diversos com facilidade e uma riqueza de detalhes capaz de impressionar adeptos de relatos no campo da ficção científica. No nível nacional, no estadual e no municipal, todas as dificuldades receberam mais de uma solução para transformá-las em pó. Eu me indago: estes dois homens resolvem seus próprios problemas com a mesma facilidade com que apresentam solução para as outras pessoas? Fiquei curioso para saber como eles se comportam na vida real. Como seria o universo daquelas duas mulheres? Estariam as suas preocupações restritas ao universo das novelas na televisão? Aos poucos eles foram se distanciando e procurei outras pessoas para bisbilhotar.

Um grupo se prepara para fazer exercícios na praia, um instrutor comanda os alongamentos antes de iniciar as atividades. Sento em um banco do calçadão e passo a observá-los. O grupo é formado por pessoas dos dois sexos e em  várias faixas etárias. Após o alongamento, sob o comando do instrutor, o grupo realiza vários exercícios na areia. Algumas pessoas apresentam sinais de cansaço, enquanto outras estão cheias de energia, os exercícios não as cansam. Este fenômeno ocorre nas diversas faixas etárias, não parece estar associado à idade. Após algum tempo algumas pessoas deixam o grupo, sentam na areia ou vão dar um mergulho para se refrescar. A maioria das pessoas realiza os exercícios com entusiasmo, os suores a escorrerem pelos corpos. Depois de algum tempo os exercícios são encerrados, o instrutor e as pessoas saem em pequenos grupos e se confundem com os banhistas. Eu pergunto a mim mesmo: por que não damos à nossa alma a mesma atenção que dispensamos ao nosso corpo?

Continuo minha caminhada, mais adiante um grupo de crianças joga bola na areia da praia. Os gols são demarcados por cocos. A energia e a alegria das crianças correndo atrás de uma bola são contagiantes e me fazem lembrar a infância, joguei muitas peladas nas areias desta praia. A bola exerce fascínio sobre aquelas crianças, elas tentam imitar as jogadas características de alguns jogadores famosos, correm e se divertem sem sentir cansaço. Os gols são comemorados com alegria, o placar do jogo é motivo de acaloradas discussões e xingamentos, não conseguem chegar a um acordo quanto ao escore, mas o jogo prossegue apesar das divergências no que se refere ao número de gols assinalados por cada time. O calor está forte, eu me sento debaixo da sombra de um coqueiro e fico observando as pessoas na praia. Algumas preferem caminhar de tênis no calçadão, outras estão descalças e andam na areia, deixam o mar molhar seus pés enquanto caminham. Mulheres passam vestindo biquínis generosos, elas mostram suas bundas sem o menor constrangimento. A brisa balança as palhas dos coqueiros e acaricia aqueles corpos lindos, enquanto isso eu estou ali sentado apenas a olhar seus corpos lindos, dignos de mais de um poema, mais de uma canção e de outras coisas…

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, janeiro de 2008.

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