Certo dia eu estava sentado na areia da praia, debaixo da sombra de um coqueiro, quando uma senhora se aproximou e pediu licença para sentar ao meu lado. Ela se apresentou e disse que trabalhou na mesma empresa que eu e freqüentou cursos de treinamento ministrados por mim, seu rosto era-me familiar, mas depois do AVC eu não consigo ter uma lembrança clara de todos os fatos do passado. Isto sem falar que a idade se encarrega de mandar muita coisa para o arquivo morto e fica por lá esquecida. Ela falou que ainda se lembrava de algumas questões abordadas nas aulas e gostaria de trocar idéias acerca de um assunto. Expliquei que já tinha me aposentado há mais de sete anos e que tinha exercido atividades gerenciais nos últimos anos de trabalho, não tinha condições de discutir assuntos que o progresso da ciência já teria certamente modificado. Além disso, dificilmente eu me lembraria de um assunto ministrado em um curso de treinamento realizado há cerca de quinze anos atrás. Apesar da minha recusa ela insistiu e acabei aceitando apenas conversar sobre uma dúvida dela.
– Em um dos cursos que você foi instrutor o assunto que despertou a minha atenção foi a necessidade de falarmos a verdade. Eu lhe pergunto: no relacionamento entre um homem e uma mulher os dois devem dizer sempre a verdade um para o outro?
– Muitos relacionamentos são destruídos quando uma das partes descobre que foi enganada pela outra, às vezes em coisas tolas e sem importância. A pessoa que descobre a mentira pergunta a si mesma: em que outras questões eu estou sendo iludida? A desconfiança surge e produz estragos na relação. Nos inúmeros cursos que freqüentamos nos ensinaram que a verdade é a base de um relacionamento sólido entre os seres humanos.
– Mas se eu falar para o meu marido a verdade sobre o que penso acerca de alguns assuntos o resultado será uma briga feia, talvez a separação. A mentira preserva o meu casamento.
– A mentira não permitirá que os dois se conheçam em profundidade e se for descoberta causará estragos. Aumente aos poucos a dose de verdade, pois diz um ditado popular: a mentira tem pernas curtas.
– Você nunca mentiu?
– Inúmeras vezes, respondi. Nestas ocasiões lamentáveis eu teria contratempos momentâneos com algumas pessoas quando falasse a verdade, mas evitaria que a confiança delas em mim seja abalada pela mentira quando esta for descoberta. Infelizmente optei por evitar aborrecimentos momentâneos e menti, em alguns casos paguei um preço caro por não ter falado a verdade. Hoje eu procuro não mentir, em algumas ocasiões eu não digo tudo o que penso sobre determinado assunto, caso eu perceba que não vou acrescentar nada com a minha colocação e vou causar uma discussão desnecessária com as outras pessoas. Em outras palavras: omito a minha opinião, sem necessidade de mentir.
– O homem não suporta escutar a verdade quando ela é dita pela boca de uma mulher que mantém um laço amoroso com ele.
– Esta sua colocação expressa a sua crença no assunto. Existem casais que mantêm níveis profundos de diálogos acerca de quaisquer assuntos, sem um mentir para o outro. Pelo fato de você não conseguir um nível profundo de diálogo com o seu marido não significa dizer que os outros casais também não consigam aprofundar a troca de idéias e de sentimentos. O nível de verdade e de profundidade do diálogo de um casal é responsabilidade dos dois e é uma construção longa e árdua.
– Você acha possível um casal falar somente a verdade entre si? O homem suporta escutar a verdade?
– O processo de comunicação de um casal deve se basear no amor e na verdade. Cada pensamento, gesto ou palavra de uma pessoa para a outra deve ter a intenção de fazer crescer o amor do casal e deve expressar o que cada pessoa pensa acerca daquele assunto. Esta é uma construção de longo prazo, mas os frutos propiciados por ela são inumeráveis.
– Os homens não suportam escutar uma opinião contrária à sua. Quando converso com meu marido sobre um assunto em que nossas opiniões são divergentes acontece uma discussão, cujo resultado é um magoar o outro e ficarmos algum tempo sem um querer ver o outro.
– Não fique chateada com o que vou lhe dizer, mas você deveria ter mais cuidado ao fazer suas colocações. Na sua conversa comigo você já colocou várias vezes: os homens são assim, os homens são de tal jeito. Este modo de falar pode dar ao seu marido a impressão de que você se julga superior a ele na relação, isto pode desencadear uma atitude agressiva contra você. Manter o diálogo em um nível agradável com as pessoas que convivem conosco é uma arte que devemos exercitar a cada instante. Nós podemos dizer coisas sem magoar a pessoa que vive conosco, o modo como eu digo uma coisa pode levar você a se sentir acolhida ou agredida.
– Você está dizendo que eu sou a culpada por não ter um bom diálogo com o meu marido?
– Minha cara senhora, não estou preocupado em saber que parcela de culpa cabe a cada um, a minha intenção é lhe apontar um ponto que deve ser examinado, caso tenha interesse em melhorar o relacionamento com seu marido. Devo salientar que não sou a pessoa indicada para aconselhar um casal, apenas respondi as perguntas que me fez, expressei a minha opinião como ser humano. E esta opinião pode estar equivocada…
– Os homens são complicados… Foi bom falar com você, vou pensar no que escutei aqui e no que posso mudar no meu marido.
– Você não pode mudar seu marido, se quer mudar seu casamento faça aquilo que pode realizar: mudar a si mesma. Um grande abraço.
– Vocês homens não têm jeito, sempre defendem um ao outro. Adeus.
Ela se afasta e eu fiquei a imaginar como seria a vida deste casal. Aproveitei a oportunidade e fiz mais um balanço dos meus relacionamentos com as mulheres que amei. Vi os meus medos, o que tinha feito de errado e as culpas que eram minhas e eu tinha atribuído às parceiras. Será que agora aprendi as lições que a Vida me propiciou?