Uma senhora caminha por uma rua da cidade, os ombros caídos, os passos trôpegos, um ar de tristeza, o olhar sem brilho, no rosto traz afivelada a máscara da dor. Ela passa lentamente sem perceber o caminho percorrido e as pessoas que passam por ela, caminha sem rumo, ora numa direção, ora noutra, como se não tivesse um lugar definido para chegar, alheia ao que se passa ao seu derredor. As pessoas que cruzam seu caminho olham para ela com ar de compaixão, mas não procuram saber se ela necessita de ajuda, passam apressadas, parecem ter muitas tarefas a cumprir, não podem perder tempo para saber se ela necessita de algo. A senhora caminha pela calçada de uma praça, senta debaixo de uma árvore cuja sombra a cobre com generosidade, protegendo-a dos raios solares.
Ao ver a senhora tão acabrunhada um passarinho canta com o objetivo de trazer um pouco de alegria para ela, mas o seu canto não é escutado pela senhora. Ele voa até junto dela e bate as asas com vigor, mesmo assim não é notado. Ao ver o estado de alheamento daquela senhora o passarinho toma uma atitude ousada, dá uma bicada numa das pernas dela, voa diante do seu rosto e pousa na sua frente. Ela olha para o passarinho, mas não consegue sair daquele estado de indiferença. O passarinho repete com mais vigor os movimentos realizados anteriormente, a senhora sai daquele estado de torpor, então ele lhe pergunta:
– Por que a senhora está tão triste?
– O meu marido e meus dois filhos faleceram em um desastre de automóvel no início deste mês, sinto uma dor imensa dentro de mim.
– Eu sou apenas um passarinho e não entendo os sentimentos dos humanos, todavia aprendi que não cai uma folha de uma árvore sem o consentimento do Criador. Deve existir uma razão para seu marido e seus filhos terem partido antes da senhora e desta maneira tão brusca.
– Que razões justificam tamanho sofrimento causado por tais perdas?
– Muitas vezes não conseguirmos entender as razões do Criador, mas isto não significa dizer que elas são injustas, apenas o nosso entendimento está turvado pela dor e não conseguimos ver nada além do nosso sofrimento, coloca o passarinho.
– Onde um passarinho aprende estas coisas que você me fala?
– Observando a natureza, nela está escrito tudo que necessitamos saber para viver em harmonia conosco e com os outros.
– Por que razão as pessoas morrem?
– Não sei lhe dizer, sou apenas um passarinho.
– Nestas horas o nosso sofrimento é tão grande, não sabemos o que fazer, o coração fica apertado, dá uma vontade de dormir e não mais acordar para esta dura realidade que machuca nosso coração.
– Eu também perdi dois filhotes no mês passado. Fiz um ninho numa árvore na floresta para não ser visto pelos humanos, os meus filhotes estavam criando penas, tinham um apetite voraz. Saí para buscar alimentos para eles, quando voltei uma cobra tinha acabado de devorar os dois, nada pude fazer, tinha perdido os dois.
– Você sentiu revolta por ter perdido os filhos? Teve vontade de matar a cobra?
– No primeiro momento sim, eu mataria a cobra se pudesse. Depois eu me lembrei das minhocas que já comi, algumas eram filhotes e outras eram mães. Compreendi que este é o ciclo natural da vida: nascer, viver, morrer. Algumas espécies de plantas e animais servem de alimento para outras, é um processo fantástico de renovação da vida. Depois de algum tempo procurarei meu companheiro para termos outros filhos.
– Para os animais a vida é assim, mas os seres humanos já atingiram a idade da razão e não devem matar.
– Mas os seres humanos também matam, coloca o passarinho.
– Quando um ser humano mata vai para a prisão.
– Você está se referindo à vida de outro ser humano. Vocês matam inúmeros animais para se alimentarem. Por acaso você acha que nós não temos sentimentos?
Por acaso você pensa que não amamos nossa família? Isso sem falar que os seres humanos furtam e bebem o leite que os animais deviam dar para os seus filhos.
– Nunca pensei que os animais tivessem sentimentos…
– Você já observou como os animais domésticos ficam tristes quando os seres humanos que vivem com eles saem de casa? E já notou como ficam alegres quando eles regressam? Isto significa dizer que somos capazes de ter sentimos de alegria e de tristeza. Os animais se ligam afetivamente aos seres que convivem com eles.
– Ouvindo um passarinho falar assim eu me sinto envergonhada pelos meus sentimentos de revolta contra o Criador por ter permitido que minha família morresse em um desastre.
– Não ligue para mim, sou apenas um passarinho tagarela que não sabe o que diz.
– Eu agora estou sozinha no mundo, não sei o que fazer, dediquei anos da minha vida a cuidar da minha família, coloca a senhora.
– Nos meus vôos pela cidade eu vejo tantas casas de caridade necessitando de ajuda. Muitas crianças vivem em orfanatos e necessitam de alguém para orientá-las, a senhora poderá ser a mãe de algumas, dará a elas o amor que existe em abundância no seu coração e se sentirá bem.
– Foi muito bom ter conversado com você, perto da minha casa existe um orfanato, vou agora mesmo oferecer meus serviços para eles, farei de cada órfão um filho do coração. Muito obrigado passarinho!
– Que Deus ilumine os seus passos e que a senhora possa se tornar a mãe carinhosa de muitas crianças abandonadas.
Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, março de 2008.