Procurando alguma coisa?

Contos

Lições da Vida

Na infância e na melhor idade não temos receio de confessar nossos desejos, não temos medo do que as pessoas vão pensar de nós por termos este ou aquele desejo, nem tememos que elas possam nos criticar junto aos ouvidos que se prestam à maledicência. Isto nos dá uma sensação de liberdade, de poder sonhar os sonhos reprimidos nas outras idades e de ver coisas que estavam diante dos nossos narizes, sem serem sequer imaginadas. A dilatação da capacidade de perceber nos leva a enxergar nossos defeitos e nossas falhas, vemos com clareza as inúmeras besteiras que fizemos nos relacionamentos com os seres humanos que convivem ou conviveram conosco no passado. Conseguimos avaliar também as nossas qualidades e nossos acertos, sem nos julgarmos os melhores do mundo, apenas pessoas que fazer coisas certas e coisas erradas, no eterno aprendizado que chamamos de viver.

Chegar à terceira idade não significa dizer que uma pessoa adquire a sabedoria, às vezes nos tornamos mais idiotas do que éramos na idade adulta. Existem as pessoas que liberam, na terceira idade, os desejos recalcados e passam a ter uma vida bem diferente, algumas se dedicam às artes e/ou às obras de caridade, outras passam a trabalhar como voluntárias nas atividades em que se graduaram, mas não exerceram a profissão por força de alguma circunstância alheia às suas vontades. Na terceira idade alguns seres humanos começam a viver sua sexualidade como se tivesse na juventude e se relacionam com jovens que poderiam ser suas filhas ou netas. Existem também aquelas que são modelos e exemplos para os mais jovens, viveram as outras fases da sua vida e agora desfrutam a velhice com alegria, cercadas de filhos, netos e até bisnetos, ensinando a arte de viver.

Fui até a praia ver as ondas do mar a se atirarem nos braços da areia e molhar os pés ao caminhar, pisar na espuma deixada pelas ondas. Depois andei um pouco na areia fofa para me exercitar e em seguida fui para o calçadão, sentei em um banco para ver o vento balançar as palhas dos coqueiros, coisa de gente aposentada que pode escolher a hora de viver experiências tolas como esta. Nos últimos meses eu me emociono com qualquer coisa, um filme, uma recordação, uma música, e lá estão as lágrimas escorrendo pelo rosto sem a menor cerimônia. Meus olhos encheram de lágrimas ao ver a beleza da praia neste final de verão. Um homem tinha sentado ao meu lado sem que eu percebesse, absorvido na beleza do entardecer. Quando olho na sua direção recebo um sorriso simpático e ele, com uma voz calma e tranqüila, me tira daquele estado de contemplação quando diz:

– A tarde está tão linda. Você gosta de ver o final do dia?

– O anoitecer e o amanhecer são muito bonitos, respondi sem me apresentar, queria desfrutar a beleza do final do dia, não desejava conversar.

– A minha esposa gosta de andar apenas na parte da manhã, não me acompanha na parte da tarde para não perder as novelas na televisão. A sua esposa também fica vendo as novelas?

– Eu vivo sozinho, respondi.

– Isso não é bom. Desculpe eu me meter na sua vida, mas a solidão não é boa para o homem, nós devemos viver com uma mulher. Você já foi casado?

– Já vivi vários tipos de relacionamentos, foram experiências enriquecedoras para mim, mas prefiro não falar sobre o assunto.

– Tudo bem, mas me diga uma coisa: tem filhos?

– Tenho quatro filhos e dois netos, respondi pensando numa maneira de encerrar aquele inquérito.

– Eu não tenho filhos. Gostaria de ter uma família grande, acho bonito ver uma família com muita gente, juntar todo mundo para almoçar nos dias de domingo e para festejar os aniversários e as festas de final de ano.

– Há alguns anos atrás eu dedicava parte do meu tempo a obras de caridade, eu acompanhava algumas pessoas nas visitas que elas faziam a orfanatos para conversar com as crianças. Eu apenas acompanhava estas pessoas, aprendi muitas coisas vivendo estas experiências. Adotando o mesmo comportamento você poderá ser amigo de muitos órfãos, pois estas crianças sentem falta de alguém que viva fora dos muros do orfanato e as visitem com freqüência.

– Você me deu uma ótima idéia, vou agora mesmo conversar com minha esposa sobre este assunto. Deus lhe pague!

Ele se afasta contente, vai ligeiro e eu fico envergonhado com o meu comportamento. Não sei o nome de uma pessoa que buscava um rumo para sua existência e o encontra nas palavras ditas por mim com o objetivo de me livrar dele, pois estava interrompendo o meu não fazer nada. Eu fiquei a pensar: será que as palavras ditas a esta pessoa não seriam mais bem aplicadas a mim mesmo?

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, março de 2008.
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