Procurando alguma coisa?

Contos

Balzaquianas

Nestes últimos dias Vanda tem se dedicado a ler e a pintar, atividades que desenvolve no ambiente sossegado do seu apartamento. Ela mora em um bairro tranqüilo, em uma rua pouco movimentada. A criatividade do seu espírito é extravasada através da pintura, o pincel traduz para tela, na forma de paisagens e de pessoas, a beleza dos seus sentimentos. Vanda nunca exibiu seus trabalhos, pinta por prazer e pela necessidade que têm algumas almas de extravasar seus sentimentos através de uma das inúmeras faces da arte. Na vida profissional ela trabalha em uma atividade rotineira que nada exige da sua capacidade de criar, exerce uma função que lhe cansa a alma criativa, mas garante o sustento do corpo. Vanda fica a imaginar como o mundo será diferente no dia em que as pessoas trabalharem nas atividades que lhes trazem prazer. Nos dias atuais as necessidades do corpo falam mais alto que as necessidades da alma, o ser humano acaba desenvolvendo atividades que não gosta, com a finalidade de garantir os recursos necessários para sua sobrevivência.

Nas noites em que está inspirada ela usa o pincel para extravasar a capacidade criadora da sua alma. A tela recebe do pincel as cores vivas dos seus sentimentos, transformados em traços que mostram a sua maneira de ver o mundo. Hoje Vanda sente uma modorra, está sem vontade de pintar ou de fazer qualquer outra coisa. Deixa de lado todas as atividades que costuma fazer e fica a pensar nos parentes e amigos, no seu trabalho profissional, nos seus contatos com os homens que já mantiveram uma relação afetiva com ela nos últimos anos. Lembra do seu último namorado com ternura, relacionamento rompido por ele em decorrência de razões que não ficaram claras para ela. Os esclarecimentos dados por ele para terminar a relação foram vagos e tortuosos, não ficou claro para ela quais as razões para o rompimento da relação.

Nos últimos dias ela tem recebido convites para sair, mas tem preferido ficar em casa, deseja passar algum tempo sem ter um relacionamento amoroso. Sair com um homem para ter uma relação sexual não a satisfaz, ela deseja um relacionamento capaz de saciar as necessidades do corpo e de preencher as necessidades da alma, o que não tem sido fácil de encontrar entre os homens que conhece. Por esta razão ela tem preferido ficar em casa, dedicando-se à leitura, pois não tem sentido inspiração para pintar, está sem aquele fogo sagrado da inspiração que aquece a alma e incendeia a tela de cores vivas e vibrantes, a traduzirem seus sentimentos na tela branca, através dos traços do pincel.

Depois de um período de quarentena imposta a si mesma, Vanda volta a sair com suas amigas. Não mais busca ter um relacionamento com um homem, deseja apenas conviver com os amigos homens ou mulheres, conhecer novas pessoas, mas sem estar buscando um envolvimento amoroso. Caso surja um homem em sua vida ela está pronta para se entregar ao amor, apenas não mais deseja procurar um homem para partilhar a vida com ela. Ela não é uma mulher bonita, é simpática e tem um corpo harmonioso, é culta e sabe manter uma conversa agradável com qualquer pessoa. Nesta noite de sábado ela está jantando com três amigas: Ângela, Maria e Neuma. Nos finais de semana elas costumam jantar na orla marítima, quando algum compromisso não as leva para outro local. A conversa entre elas é sempre animada e franca, pois já se conhecem há bastante tempo.

– O Mário explicou a razão de ter rompido o relacionamento com você, pergunta Ângela a Vanda.

– Ele deu uma desculpa muito esfarrapada que não me convenceu, acho que eu estava levando o relacionamento com ele muito a sério e Mário não deseja ter compromisso com ninguém. Ele deseja apenas uma mulher para ter uma relação sexual quando ele tem vontade.

– Minha querida Vanda, intervém Maria, a maioria dos homens não deseja ter um compromisso com uma mulher, eles querem sair conosco, ter um relacionamento sexual e tchau. Não estou querendo dizer que os homens não prestam, nunca gostei de generalizações, quero apenas salientar que uma grande parcela dos homens não deseja ter um compromisso sério com uma mulher.

– Minha amiguinha, muitas mulheres hoje também adotam este mesmo tipo de comportamento, intervém Neuma.

– Eu confesso que sou uma romântica, coloca Vanda, quando namoro com um homem não tenho olhos para outro homem. E não gosto de me relacionar com um homem que a Neuma costuma chamar de “galinha”, aquele tipo que mantém relações sexuais com outras mulheres, apesar de já ter namorada ou esposa.

– Existem também muitas mulheres “galinhas”, complementa Ângela, não devemos esquecer isso. Nós conhecemos mulheres que traem, não vamos citar nomes, acho isso muito deselegante.

– Por que razão o relacionamento entre um homem e uma mulher é tão difícil, quer saber Vanda.

– O relacionamento entre um homem e uma mulher não é difícil, coloca Neuma.

– Você acha fácil o relacionamento amoroso entre um homem e uma mulher, interrompe Ângela. Não estou falando de amizade, estou falando de relação amorosa entre um homem e uma mulher.

– Minha amiguinha, coloca calmamente Neuma, quando existe amor entre um homem e uma mulher todas as dificuldades entre os dois são vencidas. Não estou dizendo que é uma coisa fácil de fazer, mas também não é difícil, apenas exige esforço e honestidade.

– A honestidade é uma das coisas mais difíceis de realizar no relacionamento entre duas pessoas, interrompe Vanda. Estou falando de uma das minhas dificuldades, eu muitas vezes falo pequenas mentiras com medo de magoar as pessoas, embora não goste de mentir. Eu vejo algumas pessoas serem classificadas de rudes apenas por dizerem o que pensam acerca do que lhes é perguntado.

– Permita-me interromper e colocar uma coisa, na maioria das vezes o que magoa as pessoas não são as palavras ditas, mas a forma como são ditas, intervém Maria. Eu sei que existem pessoas que vão ficar magoadas quando escutam coisas que não gostariam de ouvir, independente do modo como as coisas são colocadas. Mas não podemos negar que existe muita falta de habilidade no ser humano na arte de comunicar seus sentimentos para o outro, principalmente nas situações de atrito.

As quatro amigas ainda conversaram durante algum tempo, pagaram a conta e seguiram seus caminhos. Duas delas vão para casa dormir e duas vão ao Shopping assistir um filme. Está encerrado o sábado das quatro balzaquianas.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, agosto de 2007.

                   0 Comentários 180 Views