Procurando alguma coisa?

Obras de Amigos

Feliz Ano Novo! – Carlos Pereira

Todos em casa se aprontavam como podiam para a virada do ano. Alguns se antecipavam e tomavam banho mais cedo, porque a água, em tempo de verão, ficava mais fraca e havia de se juntar alguma das últimas chuvas no tonel que ficava embaixo da bica, na lavanderia. Eu tinha a obrigação de trazer, na volta da missa do Rosário, comprados no Luzeirinho, dois pombos assados com farofa, que iriam fazer a festa – juntamente com o peru guisado, cevado no quintal de casa.

Vestíamos a melhor roupa, calçávamos os sapatos (não eram os melhores porque os únicos), penteávamos os cabelos e as mulheres tinham o direito de botar um batom melhor, ganho na festa de Natal.

Estava chegando a hora de começar os festejos de fim de ano, isso que modernamente se chama de réveillon. As famílias se reuniam em suas casas, as moças iam ver a lapinha da Conceição, mas voltavam antes da meia-noite quando todos estariam juntos para saudar o novo ano que chegava e que – segundo minha mãe – “era bom que viesse com menos sacrifícios para os pobres”.

Quando faltavam 15 minutos para a meia-noite, todos estavam a postos e os primeiros sinais apareciam: os fogos começavam a espocar e alguns foguetões mais fortes vindos de Cruz das Armas estouravam – eram girândolas que o novo Comandante do 15o RI mandou preparar. Os últimos transeuntes passavam quase correndo pela esquina da Vasco da Gama, demandando suas casas onde seus familiares os esperavam para a festa.

O momento mais esperado era o anúncio da meia-noite, com a Rádio Tabajara tocando os acordes do Hino Nacional. Então, todos se abraçavam e se desejavam um Feliz Ano Novo. Comiam as iguarias preparadas pela minha mãe, tomavam copos de guaraná e iam dormir felizes e satisfeitos.

Ontem foi tudo diferente. O DSEC (Departamento de Serviços Elétricos da Capital) não desligou as luzes da cidade, a sirene da Portela não jogou sobre as casas empoeiradas da Ilha do Bispo o seu som estridente, anunciando que o ano velho se foi. As garrafas de guaraná Dore, os pratos de pombo assado, os pedaços de peru com farofa e a cerveja Teutônia que minha irmã tinha botado pra gelar no tonel d’água fria – nada disso esteve sobre a mesa.

Dentro da casa da minha memória, eu fui procurá-lo no quarto, ali onde ele sempre se escondia do alvoroço, ajoelhado diante de uma vela acesa em devoção a Nossa Senhora da Conceição. Mas, ele lá não estava e a imagem da Santa também sumiu . Que foi feito dele, que nem se despediu de nós, logo ele que prometera estar conosco todos os finais de ano?

Não tem mais casa, não tem mais quarto, não tem mais Santa, não tem mais pai.

Dele, porém, ficaram para sempre os votos escritos, naquela noite, com sua bela caligrafia, na caderneta que consegui resgatar dentre algumas coisas que nos deixou quando se foi em 1990:

“Quando escrevo estas linhas, o relógio da cômoda marca 23 horas e 50 minutos e o calendário da parede espera eu tirar sua última folha, de 31 de dezembro de 1950: daqui a dez minutos vai começar um novo ano. Elevo minhas preces ao Criador, pedindo que o ano que começa traga saúde e felicidades para mim, para minha família, para meus parentes e amigos. Feliz Ano Novo para todos! Até 31 de dezembro de 1951, se Deus quiser…”

E eu, embora com vontade de chorar, assino embaixo – tendo antes o cuidado de trocar de data: em vez de 1951, um feliz 2012 para todos!

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