Procurando alguma coisa?

Contos

Zé e Maria

Um homem passeia na praia, não está alegre nem triste, está com a mente e o coração vazios. As ondas do mar molham seus pés na esperança de despertarem sua atenção para os seus movimentos, mas o homem está alheio a tudo, não vê a beleza do bailado das ondas do mar. Depois de caminhar algum tempo ele vai até um banco da calçada e se senta. Uma mulher observa o homem há algum tempo, pergunta a si mesma: em que estará pensando este ser humano para estar tão absorvido pelos próprios pensamentos? Ela caminha até o banco onde ele está e se senta ao seu lado. Depois de algum tempo o homem percebe a presença da mulher ao seu lado e a cumprimenta:

– Bom dia. A manhã está linda.

– Bom dia. Você gosta de observar as manhãs aqui na praia?

– Geralmente sim, mas hoje eu acordei meio alheio a tudo, sem vontade de fazer nada, apenas ficar absorto em meus pensamentos. Este estado de espírito acontece comigo algumas vezes, diz o homem.

– Eu não sinto isto, estou sempre muito ligada nas coisas e nas pessoas, gosto de observar tudo o que acontece ao meu derredor.

– Às vezes eu penso em algo com muita intensidade, fico tão absorvido por estas reflexões que não vejo os acontecimentos ao meu derredor. Como tudo na vida isto tem vantagens e desvantagens. Você estava me observando antes de começarmos a conversar?

– Eu lhe vi molhando os pés no mar, uma pessoa passou ao seu lado e lhe cumprimentou, mas você não respondeu, dava a impressão de estar alheio a tudo. Depois você sentou neste banco e eu sentei ao seu lado sem que você percebesse. Demorou muito tempo para notar a minha presença, eu tive a sensação de que estava invisível.

– Curiosidade, o seu nome é mulher. Vamos começar tudo do zero. Oi curiosa, o meu nome é Zé.

– Olá Zé, o meu nome é Maria e estava querendo lhe conhecer. Posso fazer algumas perguntas?

– Com uma condição: eu lhe responderei o que achar conveniente. Assumo o compromisso de não mentir e de lhe informar que não vou responder determinada pergunta, sem lhe esclarecer o motivo. Ficamos combinados assim?

– Combinadíssimos, responde Maria. O que você faz na sua vida profissional?

– Sou aposentado, trabalhei muitos anos como advogado e como professor universitário. E você?

– Eu sou funcionária pública estadual, estou de férias, por esta razão estou na praia a esta hora do dia, não sou uma parasita, eu gosto de fazer jus ao salário que recebo. O que você faz para ocupar o tempo?

– Existem tantas atividades a solicitarem o tempo de um aposentado que tenho de ser seletivo para não correr o risco de ficar estressado por fazer coisas demais. A grande vantagem da aposentadoria é podermos escolher aquilo que dá prazer para ocupar o tempo disponível.

– O que lhe dá prazer, pergunta Maria.

– Ler e conversar são as coisas que mais gosto de fazer. Isto não significa dizer que toda leitura e toda conversa são agradáveis. Deixe-me esclarecer uma coisa, eu não estou insinuando que a nossa conversa não é agradável, coloca Zé.

– Ainda bem que você esclareceu, eu pensei que era uma maneira de encerrar a nossa conversa, que eu estava incomodando. Existem outras coisas que você faz e que ocupa o seu tempo?

– Existe uma atividade que gosto muito de fazer, gasto uma parte do meu dia em obras de caridade, dou algumas horas de trabalho a algumas instituições que não podem pagar a um profissional para exercer aquela atividade. É muito gratificante se sentir útil, faz muito bem para a alma. Fale-me um pouco do que você gosta de fazer.

– A coisa que eu mais gosto de fazer é viajar, mas o que ganho não me permite visitar os lugares que sonho conhecer.

– Tente outras opções para realizar seus sonhos.

– Que opções, pergunta Maria.

– Casar com um homem rico é uma delas.

– Prefiro ficar sem viajar, eu só me casaria com um homem se existisse um amor correspondido, não interessa a condição financeira dele. Quais são as outras opções?

– Depois desta sua resposta prefiro não citar mais nenhuma…

– Por acaso você ia me mandar “bater bolsa” por aí?

– Esta é uma das opções possíveis, mas eu não diria isso a uma pessoa que não tenho intimidade com ela, coloca o Zé.

– Ainda bem que não sou sua amiga, caso contrário você estaria me sugerindo a prostituição como uma saída para conseguir dinheiro e viajar. Você costuma tratar assim as suas amigas? Não, não me responda, apague esta pergunta. Vamos retomar nossa conversa inicial. O que você mais gosta na vida de aposentado?

– Ser dono de mim mesmo, poder decidir o que vou fazer e o que não vou fazer. É claro que existem limitações, a minha liberdade termina onde começa o seu direito, mas as restrições são bem menores do que aquelas existentes no exercício de uma profissão liberal ou trabalhando para uma das inúmeras organizações que operam

em nosso Brasil.

– Gostei muito de conversar com você, mas tenho algumas atividades domésticas para realizar. Espero ter a oportunidade de encontrar você novamente aqui na praia para conversarmos um pouco mais. Tchau.

– Eu raramente tenho saído de casa nos últimos dias, mas se nossos caminhos se cruzarem novamente será um prazer conversar com você. Tchau. Maria caminha apressada para suas atividades domésticas, o seu salário de funcionária pública não lhe permite outra opção senão realizar ela mesma as atividades do lar. Zé recebe duas aposentadorias, o que lhe permite uma vida mais folgada, realizar apenas as atividades que lhe são prazerosas. Depois que Maria se afasta ele volta a ficar com a mente e o coração vazios, não está alegre nem triste.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
João Pessoa, 31 de março de 2008.
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