Procurando alguma coisa?

Contos

Um Velho Amigo Que Se Foi

Desejo comunicar um fato para você, pois tenho a certeza de que apenas você vai entender a dor que agora avassala a minha alma. Vou narrar o que aconteceu a um companheiro meu de tantos anos, são tantos que já perdi a conta, a memória foi apagada pelo AVC e já não guarda a data do nosso primeiro encontro. Sei que as outras pessoas vão rir do que agora lhe conto, vão dizer piadas acerca do assunto, mas sei que você entenderá a minha alma, saberá avaliar a minha dor.

Lembro-me do primeiro momento que o vi, logo decidi: é este que eu quero para dormir comigo todos os dias da minha existência. A partir desta data dormimos muitas noites juntos, foram tantas que eu não me arrisco a falar um número. Noites inesquecíveis!

Com o passar dos anos ele ficou corroído, mas eu gostava dele e não o joguei fora, apesar do seu aspecto decadente. Ele já não aguentava ser lavado, eu o colocava dentro de uma fronha para a máquina de lavar fazer a sua higiene pessoal sem o machucar. As pessoas devem estar perguntando: do que ele está falando? Mas você sabe, desde as primeiras linhas, que falo de um pijama de estimação, que não abandonei, mesmo quando ele já não cobria o que deveria cobrir. Era o mínimo que podia fazer por ele, um amigo fiel que não reclamava dos meus puns.

Quando as minhas irmãs me visitavam, eu o escondia debaixo do colchão para resguardá-lo da sanha assassina delas, que jogavam fora alguns alimentos só porque a data de validade estava vencida havia um ano.

Hoje ele acabou de se romper, nada mais restou. Pensei em levá-lo a uma loja de molduras de vidro e mandar fazer uma sepultura digna dele, para pendurar na minha sala. Acho que os parentes e amigos não compreenderiam, por esta razão fui até a lixeira do prédio, despedi-me dele com lágrimas nos olhos e ali o deixei para que a natureza siga seu processo natural de decomposição. Meu querido sobrinho, diga alguma coisa para consolar a minha alma.

Marcos

João Pessoa, 29 de Janeiro de 2012.

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Tio Marcos,

Sei exatamente como se sente. A dor é profunda!

Eu ainda choro no banheiro pensando na “morte” do meu pijama de estimação.

Foram muitos anos de intimidade. Poucas pessoas sabem o que isso significa, pois os relacionamentos modernos são passageiros, trocam de pijama como se trocassem de camisas. Um absurdo! Chega a ser traição! Como desprezar algo que lhe deu tanto conforto e bem estar nas longas noites da vida?

Fixado atrás da porta do banheiro tem um cabideiro, ali eu pendurei o cintinho de pano que restou do “Gaspar” (era como eu o chamava, pois nos últimos dias parecia mais com um fantasma). Ali está o cintinho desbotado e puído (disfarçado entre outras roupas para não ter o mesmo destino cruel) trazendo-me à memória aquele que já não mais existe…

Só tenho um conselho, se é que vai ajudar… Comece um relacionamento permanente com o mais velho entre os seus pijamas, e logo ele estará no ponto. Mas não se esqueça de esconder de gente sem consideração pelos sentimentos alheios.

Grande abraço, e força, companheiro. A luta continua!

Do sobrinho Mauro.

PS.: Gostaria de lembrá-lo do meu lema sobre alimentos: o que vence é a data, não o produto!

Itapeva, 29 de Janeiro de 2012.

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Queridos Mauro e Tio Marcos,

Diante de tão comoventes declarações, a única coisa que posso dizer é…

Ainda bem que os objetos desse profundo afeto e apego são pijamas e não, cuecas!

Beijos insones (só de pensar na possibilidade).

Alexandra.

Brasília, 30 de Janeiro de 2012.

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Publicado na seção Contos da página http://www.marcosfernandes.org

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