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Oração de Natal – Carlos Pereira

Oração de Natal – Carlos Pereira
 
 
Neste sábado, antes do Natal, resolvo reeditar alguns pensamentos que construí ao longo de muitos anos e que se encontravam guardados em pedaços de papel amarelados pelo tempo e quase destruídos pelas traças. De há muito foram escritos mas ainda hoje me conduzem ao longo desta velha vida. Passo-os adiante, sem pedir que sejam obedecidos. No máximo, que sejam tidos apenas como despretensiosas reflexões.
Sei que não posso ser a estrada aberta e pavimentada por onde circulam automóveis de luxo a transportar os ricos de dinheiro. Mas, ao menos Senhor permita-me ser aquele caminho estreito, quase invisível por onde passam apenas os pés de transeuntes maltrapilhos, em busca de um futuro que não existe!
Se eu não posso ser a estrela faiscante, de imenso brilho, beleza estonteante e de idade eterna, permita-me Senhor que seja, pelo menos, o cometa nômade que, de cem em cem anos, torna alegres e estupefatos os homens do meu tempo!
Se eu não posso ser a rosa de todos os matizes, de todos os tamanhos, de todos os jardins e de todas as belezas, a rosa flor que deu nome à rosa mulher, permita-me pelo menos Senhor que seja uma violeta, uma simples e modesta violeta, mas uma violeta viva que também habite um jardim, embora um pobre e desarrumado jardim!
Se eu não posso ser o mais inteligente, o mais capaz, o mais eficiente, o mais poderoso, o mais brilhante de todos os homens, permita-me Senhor que eu possa ser, pelo menos, um solitário e solidário homem entre tantos outros, igualmente solitários e solidários, de cuja falta tanto se ressente o mundo de hoje!
Se eu não posso ser o santo, o heróico mártir que dignifica a raça humana, que envaidece o ser, que engrandece a criatura, que nobilita a humanidade, permita-me Senhor que seja apenas um humilde servo de todos e mais um teu servo. Que esteja a serviço dos menores, dos pobres, dos modestos homens sem nome que povoam este mundo!
Se eu não posso ser o mar verde e bravio, cheio de ondas que envolvem homens, navios e barcos, o mar profundo e perigoso, grandioso e desejado, permita-me Senhor que eu seja, pelo menos, essa maré que vai e que vem, que ora é mar, ora é rio, mas é viva e é digna, também!
Se eu não posso ser um rio largo e caudaloso por onde passam embarcações cheias de coisas e de gente, permita-me Senhor que eu seja, pelo menos, um riacho, um simples córrego, um filete d’água que, embora pequeno, represente, também, a existência tão sublime da vida!
Se eu não posso ser a catedral majestosa e imponente, com torres quase tocando o céu, com santos de corpo inteiro, vitrais de todos os matizes e de todos os desenhos, pelo menos Senhor, permita-me ser aquela pequenina capela onde, aos domingos, gente humilde e pobre oferece pão, peixe e vinho e dá glórias a Ti, Senhor de todos nós!
Se não posso ser neste Natal, o Papai Noel que muitos esperam e poucos o verão com presentes de brinquedos, guloseimas, comidas finas e outros pedidos satisfeitos, permita-me Senhor que eu seja, pelo menos, esse cristão contrito, ainda crente de que a falta de amor e de solidariedade e a vergonha da fome – um dia vão acabar e o Teu reino, outra vez, será deste mundo! E, no final, eu Te agradeço por me propiciar a oportunidade de – mais uma vez – poder transmitir, de coração, os meus mais escolhidos votos de Feliz Natal para todos.
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