Fortaleza, 18 de junho 2012.
Resolvi contar o que ouvi, desde menina, e que me foi relatado por pessoa que amei e respeitei toda a minha vida. Vamos supor que essa pessoa tivesse ouvido o relato da mãe dela, protagonista dessa história – que chamo de fábula por que não posso provar que aconteceu assim mesmo, tintim por tintim-.
“A família era numerosa, vinte filhos, a mãe morreu de parto do último, que também não sobreviveu. O filho mais velho, que tinha 24 anos, assumiu a administração da fazenda lá do interior de Pernambuco, onde viviam, depois da morte do pai, que antecedeu por dois ou três meses a da mãe da família. E se mostrou esse rapaz um tirano, de uma crueldade inumana para com os irmãos, particularmente dois deles, uma menina de onze anos e um menino de dez”.
“O segundo mais velho da família assumira o papel de protetor e guardião dos mais novos, tentando evitar maus tratos às crianças, mas estava muito doente à época. E foi ele quem, reconhecendo que teria pouco tempo de vida, incentivou a menina e o menino a fugirem de casa, e procurar abrigo em outras fazendas da região. Eles saíram de casa numa noite, e vagaram pelo interior de Pernambuco, dormindo no mato, pedindo comida nos sítios e fazendas, trabalhando para sobreviver, meramente sobrevivendo. Quando atravessaram a divisa com a Paraíba se separaram, não foi dito como nem por que”.
“A menina foi parar em João Pessoa. Agora uma bela adolescente de treze anos, alta para os padrões locais, loira, de olhos claros (testemunho de pessoas que a conheceram e com as quais conversei), foi trabalhar como criada na casa de uma família tradicional nordestina, dessas que descendem dos colonizadores portugueses – e têm desmedido orgulho disso –, cujo patriarca deveria estar no final da casa dos quarenta, talvez até entrando nos cinqüenta. Joalheiro (tive oportunidade de ver algumas das peças criadas por ele, verdadeiras obras de arte), jornalista de ocasião, mulherengo, não foi difícil para ele conquistar uma criatura desamparada da família e da sorte”.
“Tiveram três filhos, todos reconhecidos pelo pai, vamos ser justos. A jovem tinha virado teúda e manteúda do figurão. Que morreu quando as crianças ainda eram muito pequenas, a mais nova e única mulher tinha sete anos. E agora, o que fazer? Voltar a trabalhar na casa de outras famílias, lavar roupa para fora, para sustentar os rebentos. As jóias – um bom punhado delas – que haviam sido deixadas pelo pai para assegurar o futuro dos filhos bastardos foram confiscadas pela filha mais velha do casamento legítimo do patriarca”. Essa irmã mais velha, aliás, era uma figuraça, a única dentre todas as mulheres da família (ou devo dizer das famílias?)que teve direito a uma educação formal até se tornar professora, coisa muito comum naquele tempo. As outras filhas nunca chegaram nem a terminar o ensino fundamental, o que era perfeitamente aceitável e nada vergonhoso para o resto da família…
“Assim, aos trancos e barrancos, a mulher que se chamava Antônia, foi lutando e criando os filhos, até que teve uma tuberculose e morreu aos trinta anos de idade, quando a filha nem tinha onze anos”.
O que aconteceu depois da morte de Tonha, e onde foram parar os filhos dela com o patriarca da família de renome, conto depois.