Escuto alguém bater na porta do meu coração, finjo não escutar e não abro a porta, mas a pessoa insiste em querer entrar, continua a bater sem parar. Por que razão não abro a porta? Qual o motivo para não querer abrir a porta do meu coração? Depois de um longo monólogo chego à conclusão de que as batidas não iriam parar, resolvo abrir a porta do coração. Sem esperar ser convidada ela entra e ocupa todo o espaço que não lhe pertence, bebe do meu vinho e come da minha comida, deita na minha cama e dorme como se estivesse na sua casa. Eu pensei comigo mesmo: ainda bem que ela não me expulsou do meu próprio coração, este é um local que até eu conheço pouco, muitas vezes me surpreendo com as coisas que este coração desvairado faz.
Nos supermercados os corações dos animais são embalados e anunciados assim: coração de galinha, coração de vaca, etc. Alguns pensamentos sem nexo passam pela minha cabeça, fico a imaginar se o coração humano fosse vendido em supermercado ele seria embalado assim: coração de mãe, coração apaixonado, coração piegas, coração desalmado, coração boêmio, coração carnavalesco, coração trapaceiro, coração religioso, coração ateu, coração enfartado já com n pontes de safena, coração descartável, coração homossexual, coração valente, coração medroso e por aí vai. A lista pode ser imensa, mas vamos parar por aqui para não ficar enfadonho.
Fico a escutar as batidas do meu coração, nos últimos meses elas estão ritmadas e calmas, eu até estranho e pergunto a mim mesmo se este é mesmo o meu coração. Depois de examiná-lo minuciosamente vejo que é o meu coração, mas está muito diferente, até parece coração de gente. Não fossem as pontes de safena e um passado de muitas maluquices, eu diria que é um coração decente.
Eu observo a pessoa ao meu lado a dormir um sono agitado, como se estivesse a brigar com a Vida. O dia já tinha amanhecido há bastante tempo, o sol já estava alto quando ela acordou. O seu coração bate acelerado, um ritmo muito diferente do meu, que hoje bate mansamente a se despedir da Vida. Ela acorda muda, olha para todas as coisas e para mim com aquela cara de quem comeu e não gostou, não dá um bom dia e não responde ao meu cumprimento. Ela pula da cama e veste apressadamente a roupa, sai sem dizer nada e sem fazer sequer um aceno de mão a título de despedida.
João Pessoa, 8 de dezembro de 2006.