Procurando alguma coisa?

Crônicas

Chuva

Uma chuva fina cai sobre a cidade, um vento frio e cortante sopra do mar, são convites ao recolhimento, fazer alguma atividade dentro de quatro paredes. Uma metade de mim deseja repousar, mas a outra metade é semelhante a uma criança travessa, está sempre a buscar algo novo para fazer, alguma atividade para desenvolver. Nalguns períodos prevalece uma metade, noutros predomina a outra metade.

Nestes dias de inverno a chuva e o frio impõem o recolhimento. É um período muito rico para a metade de mim que gosta de criar, pois a metade que gosta de sair está recolhida, hibernando. A metade de mim que gosta de criar busca fazer algo. Nestes dias de inverno a leitura é colocada em dia, trabalhos antigos são revisados, algumas visitas são realizadas, algumas roupas velhas são retiradas dos armários e doadas, novas tarefas são iniciadas, alguns filmes são novamente assistidos e novos filmes são vistos. Depois de algum tempo nestas atividades, a alma entra em introspecção e deseja fazer algo novo, conhecer outras facetas da existência, viver novas experiências, é um período profícuo para a criação de algo.

Os dias de chuva exigem, para os que não trabalham, muita disciplina para não ficarem em casa sem fazer nada, a criar teia de aranha no cérebro. Os dias de chuva, para os que ainda lutam para ganhar o pão de cada dia, exigem força de vontade para sair da cama e ir para o seu local de trabalho, chegar na hora acertada para o cumprimento de suas obrigações. O exame destas pequeninas coisas mostra quem sou eu, posso verificar se o espírito é o senhor da vontade ou se é o corpo quem fala alto e assume o comando da minha vida. No exame das pequenas coisas vou obtendo informações preciosas para saber quem sou eu, posso verificar se sou o senhor ou o escravo dos acontecimentos.

A chuva continua a cair sobre a cidade, o frio aumenta, a poesia flui como um riacho e dá vazão aos sentimentos trazidos pela chuva. A poesia não depende do tempo lá fora, depende do tempo cá dentro. A alma tem seu tempo de criar, de se desnudar para o mundo, de mostrar sua riqueza ou sua pobreza. A alma também tem seus períodos de aridez, quando ela nada cria, apesar de mobilizar todas as suas forças para fazer alguma coisa. Nestas ocasiões de secura os esforços são vãos, a alma nada produz.

A chuva que fecunda a alma se chama amor. É deste tipo de chuva que dependem as árvores humanas para produzirem frutos em abundância, capazes de matar a fome dos que as buscam. Existem muitos tipos de árvores, mas a chuva que mata a sede de todas elas é a mesma.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, 26 de junho de 2007.

 

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