Procurando alguma coisa?

Contos

Nacos

– Você está sentindo algum mal-estar, pergunta Zulmira.

– Estou chateada, mas muito chateada mesmo, responde Jandira.

– Qual a causa desta chateação?

– Uma amiga de infância, daquelas que a gente tem o maior carinho, está com câncer, os médicos dizem que ela tem de três a quatro meses de vida.

– Embora tanto o nascer quanto o morrer façam parte da existência de uma pessoa, a morte das pessoas que amamos sempre nos impacta.

– Quando uma amiga morre, um pedaço do meu coração é sepultado com ela.

– Um pedaço do coração dela fica com você, nos relacionamentos entre dois seres humanos existem trocas que enriquecem ambos. Quando uma pessoa deixa pedaços de si dentro de outro ser humano, esta pessoa passa a viver no coração daquela pessoa, sem depender do fato de estar viva ou morta.

– Ela é uma criatura jovem, mas o tratamento contra a doença transformou-a em uma mulher envelhecida no aspecto físico.

– E como ela reage a estas mudanças no seu aspecto físico, pergunta Zulmira.

– Ao receber a notícia ela ficou abalada, mas logo reagiu e voltou a ser alegre, enfrenta a doença sem emitir lamentações, está feliz como sempre foi durante toda a sua existência. Na realidade, é ela quem consola as pessoas que vão visitá-la com o objetivo de levar coragem e bom ânimo, mas ficam abaladas com a transformação provocada pela doença. Então acontece uma coisa interessante, as pessoas vão com a intenção de ajudá-la, mas é a minha amiga quem ajuda a estas pessoas, dando-lhes uma lição de como enfrentar a morte.

– Pelo que você me fala ela é um ser humano lindo! Vamos supor que ela estivesse aqui agora e você contasse para ela que está triste por causa da provável morte de uma amiga. O que ela diria para você?

– Quando você me fez a pergunta eu me lembrei de um fato ocorrido há algum tempo atrás. Um grupo de amigas estava a se lamentar da morte de uma pessoa, ela nos interrompeu e disse que devíamos nos lembrar da amiga falecida com alegria nos nossos corações, pedindo a Deus benção de amor e paz para a pessoa que faleceu. Ela não gostaria de me ver triste com a doença. Agora eu me lembro de muitas coisas que ela me disse.

– A sua amiga deixou um naco dela com você.

– O que é naco, pergunta Jandira.

– Uma fatia de alguma coisa, responde Zulmira. A maneira como você fala dela mostra que nacos dela estão com você. Que tal seguir os conselhos da sua amiga e lembrar-se dela com alegria no coração, agora que ela está viva e quando ela falecer, se ela vier a falecer. Quem conhece os desígnios de Deus para as suas criaturas?

– Ela ficaria triste se soubesse que fiquei assim.

– Caso esta seja a vontade de Deus, o corpo físico dela deixará de existir dentro de pouco tempo, mas as lembranças dela continuarão a existir dentro das pessoas que conviveram com ela. Jogue a tristeza fora, aceite as leis naturais da Vida, ore por sua amiga e por todas as pessoas que estão doentes. A conversa está muito boa, mas tenho de ir trabalhar, no final de semana eu ligo para você.

– Estou me sentindo melhor, obrigado por ter me lembrado que nascer e morrer são as duas faces da mesma moeda. Tchau.

– Tchau.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, Outubro de 2009.
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