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Duas amigas moravam na mesma rua quando eram jovens e saíam sempre juntas. Depois mudaram de bairro, ainda mantiveram contatos por telefone e alguns encontros que se tornaram escassos à medida que o tempo foi passando, até que foram morar em cidades diferentes e perderem o contato. As duas sempre se entenderam muito bem e costumavam trocar confidências acerca de seus namoros e vida familiar, não tinham segredos uma com a outra. Embora fossem duas pessoas com maneiras de ser bem diferentes, entre elas existia uma daquelas amizades que não diminuem pela ausência de encontros ou pela passagem do tempo. Depois de muitos anos sem se verem, a mão invisível do destino, numa tarde de sábado, foi empurrando as duas amigas para fazer compras na mesma loja. Amarilda já estava na loja quando Vanda entrou e a reconheceu. Foi um encontro emocionante para as duas, elas esqueceram as compras e foram para um lugar sossegado para conversar à vontade.

– Estou louca para saber o que você fez nestes últimos anos, me conta tudo com riqueza de detalhes, solicita Amarilda.

– Para falar com detalhes todas as coisas que me aconteceram, coloca Vanda, nós vamos passar muito tempo conversando, vou resumir minha história em poucas palavras. Estava no segundo ano da faculdade quando conheci o Jorge, ele já era formado e trabalhava em uma empresa que atua em todo o Brasil. Após um ano de namoro ele foi transferido para outra cidade, resolvemos casar antes da transferência dele. Tranquei a matrícula na universidade, casei e fui morar em outra cidade. Tivemos dois filhos e para cuidar deles fui deixando a universidade de lado, terminei abandonando o curso. Os meus filhos hoje estão formados e estudando no exterior. Depois de trinta anos de casado o Jorge conheceu uma jovem e resolveu viver com ela, apesar da diferença de idade entre os dois. Voltei para cá sem uma profissão, vivendo de uma pensão que recebo do Jorge, um final pouco feliz para uma história de tantos sacrifícios. Agora me diga o que você fez. – Eu não mantive relacionamentos sérios antes de completar o curso superior. Depois resolvi fazer o doutorado fora do Brasil. Quando voltei recebi boas propostas de trabalho, escolhi a que me era conveniente para atingir os meus objetivos. Ocupada com a carreira profissional não tive tempo para dedicar a um relacionamento mais sério com um homem que exigiria de mim um tempo não disponível para dedicar a ele. E aqui estou eu, bem sucedida profissionalmente, rica e com a vida que sempre sonhei. O fato de não ter casado não me preocupa.

– Este sempre foi o seu sonho, eu me lembro bem das nossas conversas no tempo de colégio. Você não sente solidão? Não gostaria de viver com alguém?

– Você é uma das poucas pessoas que me conhece bem, sempre fomos francas uma com a outra. Gostaria de ter um homem que mantivesse comigo um relacionamento mais sério, mas da seguinte maneira: cada um mora na sua casa, nos encontraremos quando houver disponibilidade na agenda dos dois, nada de cobranças ou reclamações por causa da ausência do outro. Não desejo um homem atrapalhando a minha carreira profissional. Pretendo fazer uma reciclagem do doutorado e um homem poderia me atrapalhar. Mais tarde pensarei em um relacionamento mais sério.

– Eu não deveria ter abandonado o meu curso, foi um erro muito grande, coloca Vanda.

– Mas não é um erro irreparável, você pode voltar a estudar e fazer o curso superior, com a maturidade que tem hoje não terá dificuldade de concluir o curso no menor prazo permitido pelo regimento da universidade, contra-argumenta Amarilda.

– E depois de formada? Quem irá dar emprego a uma mulher com mais de cinqüenta anos?

– Isto vai depender do seu desempenho durante o curso. Você não vai encontrar as facilidades que teria se estivesse na casa dos vinte anos, por esta razão você tem de provar que é uma estudante excelente, com potencial para se tornar uma profissional brilhante, então as oportunidades surgirão, frutos do seu desempenho.

– Estou quase acreditando em você, estou me sentindo confusa com as suas colocações, confessa Vanda.

– Você não precisa acreditar em mim, o que você necessita é acreditar em si mesma. Onde está aquela mulher vibrante que conheci na juventude? Onde está a guerreira que liderava a turma no tempo de estudante? Minha amiga, se eu tivesse metade da capacidade de liderar que você apresentava no nosso tempo de estudante, hoje eu seria presidente da empresa que trabalho.

– Os longos anos de vida doméstica me tornaram apática.

– Vou dizer o que penso: você se acomodou com uma situação que o seu marido egoisticamente lhe impôs, coloca Amarilda, agora está com medo de assumir atitudes e responsabilidade. Acorda Vanda!

– Não precisa gritar comigo, eu sei que agi mal e me acomodei. Não consigo sair desta situação. Eu sou mesmo uma porcaria!

– Alto lá! Eu sou sua amiga e tenho intimidade para lhe dizer algumas coisas. Você sabe muito bem que não sou uma mulher de falar mentiras. Você é uma criatura extraordinária em muitos aspectos e não usa as armas que tem. Você levou uma queda, levante e siga em frente.

– Eu não consigo dar os primeiros passos, estou travada, perdi a confiança em mim, acho que não tenho capacidade para fazer nada, a separação de um casal é um processo doloroso para a pessoa que foi surpreendida com a separação.

– Na próxima semana eu vou tirar dois dias de folga e nós vamos sair. Visitaremos uma amiga minha que se formou aos sessenta e cinco anos de idade, está exercendo a profissão e ajudando muita gente. É uma profissional competente e falar com ela vai lhe fazer muito bem, pois o entusiasmo dela com a sua profissão é contagiante. Depois iremos até um cursinho pré-vestibular para você se matricular e retomar os estudos.

– Foi muito bom ter conversado com você, estou mais entusiasmada e com vontade de retomar os estudos, mas devo confessar que esta vontade é uma chama muito fraca que pode se apagar com o sopro do desânimo.

– Eu estarei sempre ao seu lado para reacender esta chama. Afinal, para que servem as amigas? Eu tenho de ir, alguns compromissos me aguardam e ainda tenho de passar na loja que nos encontramos para apanhar um material que estou necessitando.

– Foi muito bom ter conversado com você.

– Anote o número do seu telefone aqui na minha agenda. Vou lhe dar um cartão com os meus telefones. Quando se sentir sozinha pode ligar. Eu tenho de ir, alguns compromissos me chamam. Tchau.

– Tchau.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, 30 de julho de 2008.
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