Procurando alguma coisa?

Obras de Amigos

Carta para Keiko

Brasília, 25 de julho de 1995

Minha amiga Keiko,

É numa hora dessas que chego a ficar irritada com a falta de domínio da língua
portuguesa. Por mais que me esforce, nada me ocorre que possa dizer o que estou
sentindo, algo que mitigue uma dor imensa, a dos que ficaram.

Hoje pela manhã, quando nos falamos, você disse que eu deveria saber como
estava se sentindo. Eu sei, querida, eu sei. É como se a gente levasse uma pancada na
cabeça, e, ao mesmo tempo, nos estivessem cravando uma faca – rombuda – no peito.
Não adianta falar ou agir como se a dor não existisse, não estivesse ali, o tempo todo,
nos sufocando.

Por isso, é preciso chorar, gritar, se descabelar. Urrar, se a dor assim determinar.
Pode xingar Deus (Ele não se importa, tenho experiência no assunto). Nem que seja no
banheiro, embaixo do chuveiro, para que os outros não ouçam ou notem. Mas é preciso
deixar a dor seguir seu curso, purgar a ferida: ou ela não cicatriza, amiga. Nunca.

Apesar do vazio no coração dos sobreviventes, nos próximos dias o sol vai
nascer, esplendoroso, os pássaros vão cantar, a chuva vai cair, flores continuarão a
nascer e morrer, a vida vai continuar. E isso é o mais duro de aguentar, amiga minha,
porque nós também morremos um pouco, a exuberância do mundo e das pessoas ao
redor nos incomoda, como ousam? Mas estamos aqui, e temos gente à nossa volta, que
precisa de nós, não é verdade? Eis por que temos que reagir, seguir – talvez até um
pouco às cegas, mas ir em frente.

Não vou lhe dizer que vai ser fácil, seria mentira. Amanhã faz oito anos que
Joseph morreu, e a ferida ainda dói. Cicatrizou, sim, mas o tecido ainda é fino, bastam
algumas lembranças para aquela dorzinha fina voltar a incomodar. Lembranças – boas
ou ruins – são como chuva e tempo frio para certas doenças: desencadeiam crises mais
ou menos fortes.

Estou cansada de falar que as nossas experiências não servem para outras
pessoas, mas mesmo assim, amiga, aqui vai um conselho: não evite as lembranças, nem
finja que sejam todas boas. Seja justa com você mesma, é uma forma de sobrevivência.
E, por favor, não se culpe de nada: não há do que se sentir culpada, embora a gente
sempre ache que poderia ter feito mais e melhor pelos que se foram.

Você sabe o quanto considerava Osao: um grande amigo. Vocês foram parte
integrante de um tempo de minha vida que considero uma das melhores fases dela.
Resta dizer que vou estar sempre aqui, quando precisar de mim é só telefonar ou
escrever. Como bem sabe, tenho experiência dessas coisas.

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