Pela janela do apartamento uma folha de uma árvore entra, tangida pelo vento. Está amarelada pelo tempo. Eu indago a ela em que corrente de ar esteve envolvida para entrar pela janela do nono andar, mas ela nada responde, apesar da minha insistência ela continua muda. Fico a me indagar qual quantidade de gás carbônico ela transformou em oxigênio para sustentar muitas vidas, até ficar amarelada pelo tempo, ser tangida pelo vento e entrar pela minha janela.
Fico a imaginar quantos pássaros a folinha ouviu cantar, quantas vezes os raios do sol a beijaram e quantas vezes ela foi banhada pela luz da lua. Quantos frutos ela viu nascer, amadurecer e alimentar outros seres, no eterno banquete da vida. Gostaria de escutar as histórias testemunhadas por esta folhinha, eu aprenderia muitas coisas. Continuo a olhar a folhinha e tomo consciência das minhas limitações, não sou capaz de entender uma simples folhinha. Como poderei entender a vida?
Indago se alguma vez, olhando o céu, ela pensou em viajar pelo espaço infinito, visitar o sol, a lua e as estrelas, sondar a imensidão do céu. Quais sonhos alegram a vida de uma folhinha? Que tipo de consciência da vida têm as folhinhas? Ela sente dor quando agredida por nós? Alguma vez ela sentiu a importância do seu papel no concerto da vida? Alguma vez ela recebeu dos outros tipos de vida algum agradecimento pelo oxigênio fornecido? Muda e impassível a folhinha nada me diz. Não consigo sentir a alma da folhinha.
No laboratório da vida a folhinha se transformará e voltará a ser energia. Mas por que ela não me conta como tais processos ocorrem? Como ela se sente agora? Tais processos atingem todos os reinos da natureza indefinidamente ou existirá um ponto final? A folhinha me olha demoradamente e diz: “para compreendermos alguns processos da vida é necessário vivenciá-los; é importante ler e conhecer as experiências de outros seres vivos, mas as grandes transformações são processos individuais, ocorrem no imo de cada ser e são vivenciadas na solidão. É sempre bom receber conforto de algo ou de alguém, mas todos os seres devem estar preparados para enfrentar na solidão as grandes transformações verificadas em todos os seres pertencentes aos reinos da natureza”.
Eu continuo a falar e a indagar mil coisas da folhinha, mas ela nada mais responde. Ela apenas me contempla, muda e impassível, amarelada pela passagem inexorável do tempo. Eu tento arrancar de várias maneiras alguma informação acerca das suas vivências, mas é inútil. Nada mais consigo dela, apenas o silêncio a envolve. Então eu me lembro que a folhinha é uma mulher e a alma feminina é misteriosa e insondável.
João Pessoa, julho de 2006.