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Crônicas

Troca

Na pequena cidade do sertão nordestino a comemoração da véspera do São João está animadíssima. A festa foi organizada pelos paroquianos com o objetivo de conseguir os recursos necessários para reformar a igreja. As barracas para venda de comidas típicas da época foram armadas na praça do centro da cidade, localizada bem em frente da igreja. Abrindo uma exceção, justificada pela finalidade nobre do evento, as barracas estão servindo bebidas alcoólicas, tão combatidas pelo padre nos sermões dominicais, hoje legitimadas pela nobreza da destinação dos recursos desta forma obtidos. Na realidade o padre sabe que sem a bebida não será conseguida a quantia necessária para a reforma, aceitou a inclusão do álcool, afinal o objetivo do dinheiro assim obtido era nobre. As despesas com o preparo das comidas e a aquisição das bebidas ficaram por conta dos paroquianos, ao padre caberia apenas receber o dinheiro apurado com a festividade, sem desconto das despesas realizadas, afinal ele era um homem de Deus e não queria se envolver com “estas coisas mundanas”.

No coreto localizado no centro da praça foi improvisado um salão de dança, onde a poeira sobe, levantada pelos pés ágeis e graciosos dos dançarinos locais. As moças da cidade, das fazendas, sítios e localidades próximas, ocorreram em peso às festividades anunciadas muitas vezes durante as missas celebradas naquele mês. Era uma das raras oportunidades das solteiras descolarem um namoro que as conduza ao altar. A imagem de Santo Antônio tinha ficado em casa, amarrada pelos pés e pendurada de cabeça para baixo, sob a ameaça de assim permanecer até que um pretendente a casamento fosse descolado pelo santo casamenteiro. O sanfoneiro local anima o baile com um forró pé de serra, entusiasmado com a quantidade de gente a apreciar os seus dotes artísticos.

O coronel local desfila, acompanhado pelo seu costumeiro séqüito de puxa-saco, dando baforadas no seu charuto, cumprimentado com pouco entusiasmo pelas pessoas. Ele se dirige ao bar, pede uma bebida e um tira-gosto, fica a apreciar o movimento do que ele considera a sua cidade. As pessoas ao seu derredor riem escandalosamente das suas piadas sem graça. Depois de algum tempo no bar o coronel chama o garçom e pede a conta, nessa ocasião ele verifica que perdeu sua carteira com algumas notas miúdas e uma nota de mil cruzeiros, considerada uma fortuna naquela época. O som anuncia a perda do coronel e informa da existência de uma recompensa de dez cruzeiros para quem encontrar a carteira.

Sentado em uma mesa, tomando uma cerveja e comendo uma galinha assada, o matuto que encontrou a carteira do coronel pensa consigo mesmo: “Taí un negoço qui Nezin num faiz, trocá ua nota di miu pru ua de deiz”.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, julho de 2006.
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