Abro as mãos e as estendo para o céu, suplico que uma inspiração pouse nelas e inunde todo o meu ser de poesia. Sinto a brisa marinha acariciar as minhas mãos, fecho-as na esperança de que a brisa tenha trazido um pensamento capaz de sensibilizar o coração, mas ao examinar as minhas mãos vejo que elas estão vazias. Busco na memória uma recordação capaz de me inspirar, mas elas estão tão apagadas, existem apenas recordações sem brilho e sem cor, são lembranças tão longínquas que não mais sensibilizam a alma, nem tangem as cordas do coração.
Ando a esmo pela rua, observo as pessoas e as coisas, tudo continua palpitante de vida, apenas não consigo traduzir tanta beleza em uma poesia. Escuto os pássaros a cantarem em homenagem ao dia que amanhece e o seu canto é mais belo que um poema. O canto deles é de alegria e resplandece de vida, tenho inveja dos pássaros, pois eles não necessitam de inspiração para cantar e louvar a vida.
Observo a coreografia das nuvens, elas se agrupam e se separam, formam figuras graciosas para alegrar a vida dos que olham para o céu. Lá em cima o vento travesso muda rapidamente as figuras, cria novos cenários, mas aqui na terra ele desarruma o cabelo e levanta a saia das mulheres que passam pela rua. O vento que sopra em cima é o mesmo vento que sopra em baixo.
Observo o mar a se entregar prazeroso nos braços da areia e sinto inveja dos dois, eles formam um par perfeito. Ora o mar se atira com fúria sobre a areia, ora com suavidade, mas é sempre recebido e absorvido da mesma maneira. Em alguns períodos do dia o mar avança, noutros ele recua, mas a areia está sempre ali e o recebe da mesma maneira.
Eu me sento na areia da praia, protegido dos raios do Sol pela sombra de um coqueiro, vejo tanta beleza na vida a desfilar diante dos meus olhos, tantas mulheres lindas e graciosas a merecerem mais de uma poesia, mas a poesia emudeceu dentro de mim. Depois de algum tempo até a sombra me abandonou, sorrateiramente ela se afastou e me deixou exposto ao Sol abrasador.
João Pessoa, outubro de 2006.