Procurando alguma coisa?

Contos

Inquietação

Encontro uma velha amiga que há muito tempo não via. Algumas mulheres conservam o frescor da juventude, conseguem enganar o tempo, não envelhecem, a minha amiga é uma delas. Do ponto de vista espiritual é uma criatura linda. Do ponto de vista físico é uma mulher simpática. Ela é casada há bastante tempo, mas desenvolve poucas atividades com o marido. Ela me dá a impressão de estar contrariada com alguma coisa, apesar de estar rindo e aparentando estar bem. Após uma troca de abraços e aquelas habituais informações sobre família e saúde, eu pergunto:

― Tenho a impressão de que a minha amiga está contrariada com alguma coisa. Algum problema a preocupa?

― Estou com um problema para resolver, mas não quero falar sobre ele, vamos mudar de assunto. Você já voltou a ler?

― Eu não leio nada que exija muito tempo, o problema da visão continua o mesmo, tenho apenas a visão frontal do olho direito. Não li nenhum livro nos últimos meses, apenas escrevo alguma coisa para manter a atividade intelectual, evitar que o cérebro enferruje, respondi. Conte-me o que você tem feito nestes meses que não deu sequer um telefonema para o seu amigo.

― Tenho lido muito e assistido quase todos os filmes que são lançados. A nossa cidade é muito pobre em atividades ligadas ao campo da arte. Quando quero ver uma peça de teatro tenho de viajar para outras cidades. Espere aí, você também não tem telefonado para mim.

― Tenho sim, o problema é que nunca encontro você em casa, quando eu quiser me esconder de você basta passar o dia na sua casa. Diga-me uma coisa: quando você faz estas viagens vai com o marido e aproveita para passar o final de semana fora?

― Você está muito engraçadinho! A única coisa que ele gosta de fazer nos finais de semana é sair com os amigos e “encher a cara”. Nos primeiros meses de casamento eu ficava em casa sem fazer nada, chateada, pensei até em me separar. Depois de algum tempo mudei de atitude, comecei a sair com minhas amigas que estavam na mesma situação e nos divertimos sozinhas.

― É uma situação interessante, vocês são viúvas de finais de semana. Olhe o lado positivo da questão, vocês estão treinando para a vida de viúva, as estatísticas mostram que as mulheres vivem mais que os homens.

― O homem nordestino tem uma alma muito pobre, coloca a minha amiga.

― Obrigado, este nordestino lhe agradece o “elogio”.

― Não necessita agradecer, disponha sempre da sua amiga para lhe falar a verdade. E, por favor, não me venha com os seus “papos filosóficos” acerca do conceito de verdade, dispenso este tipo de papo.

― Caso a senhora me permita, gostaria de dizer que a nova geração é bem diferente, os casais jovens fazem os programas de finais de semana juntos. Eu sei que existem jovens que adotam os mesmos padrões antigos do homem nordestino, mas você não pode negar que existe uma mudança no comportamento da nova geração.

― Mudança muito lenta para o meu gosto, coloca minha amiga.

― Você está amarga como fel, eu prefiro quando você está doce como mel. Coitado de quem tiver de conviver hoje com você, tenho pena do seu marido.

― Acho até graça! Quantos dias por ano as mulheres aturam os maridos e os seus problemas? Basta que a mulher passe um dia sem se desmanchar em gentilezas para vocês reclamarem. E agora vem você me dizer que estou amarga, era só o que me faltava hoje!

― Minha amiga, o que está incomodando você?

― Já lhe disse que não quero falar sobre o assunto! Tem dia que alguns acontecimentos me fazem ficar indignada com o comportamento dos homens, vejo tantos casamentos serem desfeitos. Tomo conhecimento de tantos relacionamentos lindos a terminarem suas histórias. Fico um pouco cética quanto à possibilidade de uma união duradoura entre um homem e uma mulher.

― Mas a responsabilidade pelo rompimento da união não é somente dos homens, muitos relacionamentos são rompidos pelas mulheres. Você esquece que existem muitos casais felizes, muitas uniões duradouras, embora em percentuais inferiores aos daqueles que se separam.

― Vamos falar de outros assuntos. Você vai voltar a fazer palestras?

― Alguns amigos sempre me perguntam se eu vou retornar a fazer palestras, eu digo que não sei, no momento não sinto vontade. Para você eu posso confessar que cansei de fazer palestra, hoje não sinto vontade de falar, gosto de escrever trabalhos curtos, acho que não tenho fôlego para trabalhos mais longos.

― Eu gostava de escutar as suas palestras.

― Agora você pode ler as besteiras que eu escrevo.

― Alguns amigos nossos gostam do que você escreve, mas eu prefiro as palestras que você abandonou há mais de dez anos. Vou dar uma caminhada pela praia. Tchau.

― Foi muito bom rever você, um beijo no coração que parece estar magoado. Tchau.

Despedi-me da amiga sem saber a razão da sua inquietação. Lembrei-me do tempo que ficava preocupado com alguma coisa e ela me ajudava a vencer a dificuldade. A minha amiga é uma pessoa que gosta de ajudar os outros, mas não gosta de receber ajuda quando passa por alguma dificuldade.

Marcos Antônio da Cunha Fernandes
www.marcosfernandes.org
João Pessoa, novembro de 2007.

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